Jornalismo ao pormenor

Severino Ngoenha diz que “changuinismo” está em todas as instituições

“O mais grave é que durante os últimos 25 anos nós deixamos perceber que o malabarismo, o engano, a esperteza, era o mais importante do que o trabalho, o estudo, e o sacrifício. Esse é o grande problema.”

Na terça-feira, 19, respondendo a uma questão sobre os detidos em conexão com as dívidas ilícitas, Severino Ngoenha disse que o “changuinismo” (de Manuel Chang) está em todas as instituições e a própria sociedade, infelizmente, também está mergulhada no mar da corrupção.

No Centro de Formação Jurídica e Judiciária (CFJJ) onde foi convidado para falar aos futuros juízes em torno de “O que é Justiça”, o académico e actual Reitor da Universidade Técnica de Moçambique (UDM) sublinhou que todas as instituições, incluindo universidades, estão ligadas a coisas ilegais.

O filósofo questionou com exemplos do dia-a-dia sobre a corrupção e apresentou soluções discutíveis acerca de como acabar com este mal e devolver o sossego aos moçambicanos.

“Se eu perguntar quem são os corruptos hoje em Moçambique, a gente ia dizer Chang e companhia. O problema é saber quem fazem companhia ao Chang. Os 17 que vão ser julgados? Sim. Mas e o professor que vende notas? O pai que aceita comprá-las? A menina que se prostitui? O polícia que cobra ao chapeiro [transportador semi-colectivo de passageiros] todos os dias? O homem das alfândegas que recebe mordomia todos os dias?,” questionou e continuou.

“Sabe o que acontece nas universidades onde nós estamos? Se sou bom militante da Frelimo, se eu faço olhos bonitos ao chefe e sou subalterno ao director, vou ser promovido e logo vou receber um carro quilómetro zero. Como é que se chama isso?”

No mesmo discurso, afirmou que as instituições são todas ligadas a coisas ilegais. Todas.

Plateia

“Se eu perguntar um por um como é que ganha, o que é que faz, a sua gasolina, como é que vive, essa promiscuidade, esse changuinismo está em todas as instituições.”

De acordo com Severino, a corrupção está muito inserida no tecido social mais do que parece. “Aqueles indivíduos que nós vamos condenar – e fazemos bem ao fazê-lo – são a ponta de um iceberg. Mas a nossa sociedade toda vive em regras que não sei. No hospital, por exemplo, para ser atendido tem que ter alguma coisa.”

Para Ngoenha, o mais duro não vai ser, “condenar ou não o Chang e os 17 ou 18 arguidos. E se nós não condenarmos os ingleses e os americanos vão fazer para nós. O mais grave não é isso. O mais grave é que durante os últimos 25 anos nós deixamos perceber que o malabarismo, o engano, a esperteza, era o mais importante do que o trabalho, o estudo, e o sacrifício. Esse é o grande problema.”

“Agente até pode dizer para devolverem o dinheiro. Vão devolver o dinheiro. E depois? O que vamos fazer? O que vamos fazer com nossos filhos que não vão a escola, porque sabem que papa tem dinheiro e depois vão pagar o professor? O que vamos fazer com os régulos que inventámos que vivem sem regras mas vêm exigir regras a toda gente?,” questionou.

Como solução, propõe a transformação da moral pública para se recoser o tecido social. “A utopia que nós temos é recuar para atrás e regar a sociedade por valores nobres a uma sociedade fragmentada por ilícitos que nós criamos ou os quais todos vivemos.”

Uma solução extensiva aos jovens

O Professor entende que os jovens têm um papel importante na construção do país e daí a questão. “O que vamos fazer com a malta de 14 ou 15 anos? Uns querem entrar no partido porque vão ficar ministros de trabalho ou outras coisas. Outros porque vão ser ministros de desporto. Se você pergunta os jovens o que querem fazer, não vão responder que querem estudar muito para puder mudar a vida. Vão dizer que vão entrar para o partido tal, vão entrar numa ONG.”

Para Severino Ngoenha, todos os jovens sabem como chegar ao resultado. “Mas nenhum desses resultados é trabalho, abnegação, sacrifício, moral, e, o mais importante, a solidariedade”, sublinhou.

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