Jornalismo ao pormenor

Contra-ataques cardíacos

Rússia 2018. Oitavos de final. Bélgica vs Japão. Em teoria, tem tudo para ser um daqueles jogos desequilibrados, com 21 jogadores instalados num terço do campo. Num outro campo, o dos prognósticos, os que acreditam na vitória do Japão não são mais do que um terço da população mundial. Há, no entanto, lá nas Américas, uns 200 milhões que clamam por mais uma surpresa – e são tantas que já deixaram de surpreender – para evitar que o desejo de sete biliões se concretize.
Os sete biliões já nem pensam no jogo que estão prestes a ver. Pensam na partida que estão loucos para ver, o escaldante Brasil vs Bélgica. Sabem que o poderio da constelação belga não tardará a confirmá-lo. Sem apelo nem agravo, os europeus assumem as despesas do encontro. Os asiáticos procuram, através de uma marcação asfixiante, condicionar a construção. Mas Witsel e De Bruyne evadem-se com relativa facilidade da teia formada pelos nipônicos.
A bola chega facilmente lá à frente. Lá onde a teia é feita de material mais consistente, o que resulta ou na perda de bola, ou em recuos estratégicos para conservá-la. Os japoneses, empurrados pelos seus e pelos 200 milhões que fingem ser seus, estão dispostos a ser carrascos para os belgas. E mais ânimo ganham quando vêem Yanick Ferreira contribuir, com sua nobre precipitação, para a concretização de seus desígnios. O lateral aparece muito em zonas de criação, mas só cria frustração, porque errático a decidir e a definir.
Passam duas dezenas de minutos até Lukaku formalizar a primeira ameaça. Seis minutos depois, é Hazard quem lhe segue o exemplo. O guardião nipônico resolve sem problemas, à semelhança de Courtois a um cabceamento de Osako. É este o filme que se vê na primeira parte, caracterizada por cenas de ameaças nunca concretizadas.
Ameaças belgas, porque Japão nunca entrou por esta via. Sabem os japoneses que “cão que ladra não morde”. Mais do que isso, estão empenhados em provar que “cão que morde não ladra”. Por isso, e sem que ninguém o previsse, concretizam uma ameaça nunca feita. Recuperação no primeiro terço, ruptura e balde de água fria sobre os belgas, que já há muito não chegam aos quartos. A assinatura e de Genki Haraguchi, mas o contra-ataque é de cortar a respiração.
Os diabos vermelhos não se intimidam. Respondem em apenas um minuto, mas, para o azar de Hazard, o seu remate vai ao poste. A baliza treme e causa susto nas hostes nipônicas. Susto que, em pouco tempo, cedia lugar a euforia, na sequência de uma bomba de Takashi Inui. Na zona da meia lua, Inui vê o mau posicionamento táctico de De Bruyne dar-lhe espaço. Enche-se de fé e desfere um tiro longo. Courtois é curto para travá-lo.
O mundo está de avesso. Os batimentos dos sete biliões começam a descompassar. Os belgas sabem que são estrelas, mas também sabem que de estrelas os aeroportos russos estão cheios. E desesperam, sobretudo quando vêem Lukaku (61’) cometer o sacrilégio de falhar à boca de baliza. Foi de cabeça, e, também de cabeça, Vertonghen (68’) faz um chapéu que cobre os samurais azuis de medo. Não cabe na cabeça de ninguém que tenha sido intencional, mas, a partir daí, mais cabeças começam a pensar que nada estava perdido.
Viria a confirmar-se três minutos mais tarde, quando a cabeluda cabeça de Fellaini – acabara de entrar – anula a vantagem nipônica. Foi de Hazard a assistência. E, aos 84’, todos assistem ao brio de Kawashima quando defende cabeceamentos de Chadli e Lukaku.
Começava a desenhar-se o espectro de prolongamento. Ou talvez não, porque Japão tem a chance de chegar à vitória na “Honda” de um livre. Courtois livra os belgas do susto, afastando o esférico para a linha do fundo. Surge o canto da esperança japonesa. Mas a esperança foi a primeira a morrer, porque a bola vai parar às mãos do guardião belga. Este a deixa nos pés de De Bruyne. O maestro do City corre, corre, atrai adversários e solta para direita, de onde surge o centro que Lukaku deixa passar para a finalização de Chadli, outra das pecas que saltara do banco.
Contra-ataque supersônico e com potencial para provocar problemas cardíacos. Formidável!
Roberto Martínez foi feliz nas substituições. Mas estará fadado à infelicidade se mantiver o 3-4-3 diante do Brasil. Os problemas de recuperação posicional, sobretudo nos corredores, ficaram demasiado evidentes. E Brasil nada tem que ver com Japão, que, diga-se, fez um mundial tremendo!

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