Professores comemoram seu dia com uma lágrima no canto do olho
Deficiente assistência médica e medicamentosa, atraso na disponibilização do subsídio do funeral, morosidade na fixação da pensão de sobrevivência, distribuição irregular de batas e fatos-de-treino para os professores e persistência de atrasos no pagamento de horas extras são algumas das preocupações apresentadas pelos professores ao Presidente da República. Mas há muito mais.
Nelsa Maria (nome fictício, por pedir para não se identificar) faz por dia uma média de 22 quilómetros a pé no percurso de ida e regresso da escola onde trabalha como professora de ensino primário há 11 anos, no interior do distrito da Manhiça, província de Maputo. Diz-se desgastada com a rotina e não há nos últimos anos um dia em que não pense que desistir. “Mas preciso de emprego para alimentar minhas duas filhas. E as crianças, (seus alunos) que não tem culpa nenhuma, precisam de mim.”
A professora vive em Mukhatini, um bairro em expansão no Município da Matola. Diariamente,é obrigada a abandonar seu leito antes das 4:00 horas de manhã, para conseguir iniciar as suas aulas às 7:00 horas. A corrente eléctrica em Mukhatini ainda é um projecto e quando anoitece as ruas ficam totalmente escuras. “Por isso, no inverno, o meu marido tem que me acompanhar até a paragem, porque tenho medo de sair sozinha.” Já pediu transferência, para pelo menos estar numa das escolas no distrito de Marracuene, mas as duas tentativas resultaram em fracasso. E sobre isso suspeita: “Talvez porque não tenho costas quentes na sede distrital.”
Nelsa foi arrastada para a carreira de professora pelas circunstâncias de vida, que prefere não partilhar, mas diz ter aprendido a gostar de leccionar. A ideia de ajudar as crianças a darem seus primeiros passos na vida estudantil sempre a fascinou, principalmente nos primeiros anos como professora. “Ultimamente, não sinto o mesmo entusiasmo. Sinto que não estão a valorizar o meu trabalho como professora. Talvez por estar a ensinar as primeiras classes. Quando entro na sala contento-me em fazer o básico,” confessa à medida que vai ganhando mais confiança. Maria diz que na sua escola falta um pouco de tudo, desde carteiras para os alunos e até giz e batas para os professores. “Cada um vai se arranjando como pode. O pouco que ganho ainda tenho que investir na compra de ferramentas de trabalho, ao invés de comprar pão para minhas filhas, mas o que fazer? ,”lamenta enquanto encolhe os ombros num gesto doloroso de resignação.
O caso da professora Nelsa Maria é deprimente, mas não é isolado. Felismina F., professora há oito anos também não vê motivos para comemorar o Dia Nacional do Professor. “O 12 de Outubro é mais para lamentar do que para comemorar” é esta a primeira reacção da professora de ensino primário na Escola Primária Completa de Laulane, na periferia da cidade de Maputo. E não faltam motivos que justifiquem essa posição. “Prometeram actos administrativos (nomeações, progressões, mudanças de carreiras, etc.) para este ano, mas não houve nada de concreto, para além de algumas contratações de novos professores. Só nos queriam alegrar porque estamos no ano eleitoral.”E agora? “Os professores vão continuar a dar aulas até o dia em que se vão cansar.”
As duas professoras são apenas exemplos elucidativos de um cenário que se arrasta um pouco por todo o País.
Governo diz-se ciente dos problemas
Como tem sido praxe nas vésperas do dia 12 de Outubro, o Presidente da República recebeu um grupo de professores para uma breve interacção. Depois de ouvir o que estes tinham a dizer, Filipe Nyusi reconheceu a gravidade das preocupações da classe e deu a entender que há um esforço no sentido de dar vazão.
“O Governo tem a consciência das legítimas preocupações relativamente aos problemas que afectam a vossa motivação e a qualidade de serviços que prestam a sociedade. O nosso desejo é ver um corpo docente forte, motivado e bem pago, a trabalhar em condições óptimas e dignas, porque sabemos que um professor motivado significa um aluno competente que assimila a matéria com alguma facilidade,” disse.
Na ocasião, o ministro de Economia e Finanças garantiu aos professores que até ao fim deste ano o Governo iria o pagar toda a dívida relativa às horas extraordinárias referente aos anos 2015 e 2016. Para o efeito, já foi feito o levantamento de toda dívida e feita a verificação da veracidade dos dados. Adriano Maleiane disse que a partir do próximo ano a valor das horas extras passa a ser incluída na folha mensal de salário, o que vai eliminar a acumulação da dívida.
Adriano Maleiane falou ainda da assistência médica e medicamentosa e atraso na atribuição do subsídio de funeral. Admitiu que o Executivo ainda não tem uma solução definitiva para o problema. E mais: reconheceu a burocracia em volta do processo, mas disse ser necessária. “Ainda não encontramos uma solução definitiva. E já tínhamos falado desse problema no ano passado, tem que ver com os documentos que são necessário para se ter assistência médica e o funeral.Há muitos documentos que se exigem, mas todos são importantes e levam muito tempo,” disse Maleiane, apontando no entanto que foi já decidido que se deve simplificar o processo, sem torná-lo vulnerável a acções de má-fé. “Estamos a trabalhar para ver se até 2019 teremos um sistema mais prático,” deixou ficar a promessa.