PizziAS: o cordeiro dos deuses
No mundo concebido para Luz, a escuridão penetrou sorrateiramente. De vagar, de vagarinho, qual desfile de caracóis. Estava à vista de todos, mas nem todos comungavam do mesmo ponto de vista. O homem – a quem os deuses confiaram os desígnios do planeta Luz – começara a vacilar. Deixara-se deslumbrar pelo nirvana que caracterizara os últimos quatro milênios de sua existência.
Aquele período auspicioso fizera-lhe acreditar que a tristeza não passava de um mito. Pelo menos para si. Pudera, desconhecia tal personagem. Os deuses, responsáveis supremos pela sua existência, apenas lhe tinham apresentado cortesmente a Alegria, uma fada de divinos encantos. E era esse o seu fado. Dias e noites de infinita felicidade naquelas faraônicas terras verdes, cobertas por gigantescas muralhas e iluminadas pela mais resplandecente LUZ.
À Luz da lei divina viveu tranquilo e feliz. Contudo, algum fenômeno lhe terá induzido a dar à luz sua própria lei. Uma acção imputável às forças malignas, ou à uma eventual interpretação deficiente dos salmos de Ana Moura que, num dos versículos, afirma ter saudades de “sentir-me triste só por me sentir tão bem”, garantindo ainda que “alegre sentir-me-ei, só por eu andar tão triste”.
Não se sabe, ao certo, quem foi a parteira. Certo, mesmo, é que aquele homem não era mais o mesmo. Com a sua boca bebera das fontes da soberba e embebedara o coração. Alucinado, sentia-se igual aos seus criadores em pensamento. Afinal, fora feito à sua imagem e semelhança! Legitimado por essa premissa, sentia-se senhor do próprio destino. As duas parabólicas que carrega na cabeça divorciaram-se dos correspondentes decoders e já não captavam um só conselho dos deuses. Alta traição!
Insinuavam as professias que sua sina seria sinuosa. Afinal, tinha traído os pais da criação e esses se tinham sentido ultrajados. Que criatura ingrata! Mas, em verdade vos digo, a mão dos deuses é pesada. Aquele homem outrora imponente e afortunado tornara-se moribundo. Já nem em plena LUZ brilhava. Abafado por dragões ferozes, sentiu o tom dela – a mão dos deuses, pois claro.
Vendo a agonia da sua mais nobre criatura, os deuses se compadeceram. E, pela infinita benevolência que os caracteriza, decidiram dar uma segunda chance ao homem. Para que tal se concretizasse, enviaram seu filho como cordeiro. Pizzias era seu nome.
Pizzias, um homem humilde e bondoso, veio à LUZ para a glória dos pais. Veio redimir o pai do pecado e toda a sua geração – sim, porque o pecado é geneticamente transmissível – das suas imperfeições. E eis que fê-lo com perfeição! Suportou estoicamente blasfêmias e crucificações públicas e, assim, tomou para si os pecados da LUZ.
Tudo isso, sabe Pizzias, aconteceu para que se cumprissem as escrituras!