Texto: Aurélio Furdela
Interessante esse desafio de capas de livros. Na rua da minha infância, Fontes Pereira de Melo, hoje Daniel Tomé Magaia, as capas dos livros eram descartáveis, a ponto de quase ninguém ficar com elas para exibi-las. Isso em resultado de uma simples razão. A rapaziada da Rua Fontes Pereira de Melo cresceu entre duas opções de aquisição de livros. Na Av. Paulo Samuel Kankhomba dispúnhamos da Livraria e Papelaria Maputo. Na Mao Tsé-Tung, da Tabacaria Vitória. Na Papelaria Maputo podíamos comprar livros de menor procura, pelo menos, na nossa faixa etária, os de propaganda política, vindos da União Soviética e de tantos outros países de orientação socialista. Lembro-me de ter sido por essa altura que comprei e li “Quarto Círculo”, um policial, de Luis Nogueras e Guillermo Rivera, co-autores cubanos, que foi uma das raras excepções de apreciação entre os livros que enfeitavam as montras e prateleiras da Livraria e Papelaria Maputo. Na tabacaria Vitória demandávamos então, livros de maior atracção, geralmente romances policiais e de espionagem. Lidos, quase que ninguém caía na ideia de desfazer-se de romances como “O Caso do Papagaio Perjuro”, de Erle Stanley Gardner, ou “O Espião que Saiu do Frio”, de John Le Carré, ou então dos volumes que constituíam raridade sem igual, de Carril Chesman, “A Cela da Morte”, “O Garoto Era um Assassino”, etc.
A solução encontrada para ficar com esses livros, sempre a disposição, consistia em descartar apenas as capas, porque o “monhé” da tabacaria não aceitava trocas com os panfletários adquiridos na Papelaria Maputo. Descolávamos as capas dos da tabacaria e colávamos no miolo dos volumes adquiridos na livraria. Ao ver as capas dos seus “Vampiro” e outros, incauto, o “monhé” alfarrabista procedia a troca sem dar-se conta do embuste: páginas completas dos seus livros já lá não regressavam! Hoje vejo capas a desafiarem-se nos Facebook. Interessante, não condeno a ideia, apenas faz-me recordar que nós chegamos a não conhecer a cor de algumas capas originais dos livros lidos, pois o miolo é o que mais circulava na rua, e discutido sobre o muro em noites de prosa sem fim. Capas em reptos, ainda por cima sob aviso de que não se faça comentários sobre o teor dos livros postados, nunca vi. Realmente, mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, a menos que isso cimente apenas uma grande ironia dos tempos que correm, por parte do mentor da iniciativa? Estou a ficar velho, eu sei…