Jornalismo ao pormenor

Morreu Sílvia Bragança: uma humanista apaixonada por estrelas, e que amava crianças

Perdeu a vida, ontem, segunda-feira (21 de Setembro), aos 83 anos, uma humanista conhecida no círculo restrito por valorizar aspectos pequenos da vida e incentivar a vida de Gente não ilustre – tudo isto fazia com naturalidade. Sílvia Bragança amava, quase obsessivamente, os astros particularmente as estrelas tendo um conhecimento profundo desta parte da via láctea. Amava as crianças, e teve um contributo importantissímo no ensino das artes e cultura em Moçambique. O seu contributo não se suporta apenas por ser a esposa de Aquino de Bragança. Era, sobretudo, uma mulher notável.

Sílvia Bragança foi uma humanista, artista multifacetada, e que apoio com qualidade e quantidade no sector da arte, – muitas vezes de forma discreta. Uma das primeiras notas que apareceu ao anoitecer da segunda-feira sublinha Sílvia Bragança como sendo a viúva de Aquino de Bragança, um homem notável no processo de luta pela independência em Moçambique e da luta a favor das liberdades em África. Os que conviveram com a artista sabem que Sílvia Bragança era uma estrela com vida própria mesmo no meio da constelação.

Sílvia Bragança era ‘’uma pessoa sensível com uma humanidade muito activa. Deu uma grande contribuição no Museu Nacional da Arte. Como artista fez um trabalho que se baseava na relação entre a arte e a Matemática- isto é um trabalho pioneiro em Moçambique’’, Jorge Dias, Director do Centro Cultural Brasil Moçambique.

Otília Aquino comentou que ‘’um dos principais contributos de Sílvia Bragança foi no ensino nas artes, sobretudo a parte técnica.’’

‘’Sílvia Bragança era uma guerreira, uma mulher que acreditava e amava Moçambique. Era uma humanista que trabalhou em diversas frentes das artes e cultura, como por exemplo, com crianças deficientes muitas vezes de forma discreta nos seus contributos’’, Stela Mendonça.

Como jornalista o único quadro de arte que tenho é presente da Sílvia Bragança

Permita-me infringir as regras de Jornalismo e partilhar a minha convivência acidental com uma mulher de sorriso reconfortante: Conheci Silvia Braganca na Fortaleza de Maputo, em Novembro de 2013, na inauguração da exposição “Astros, Vida, Energia Universal” que tinha como apresentador António Cabrita.

Sílvia Bragança não me conhecia. Eu era um estagiário na TVM. Um simples estagiário. Quando me apresentei a seguir Silvia Bragança foi despendurar uma tela na parede da exposição. Ofereceu-me. Era um quadro que falava de uma estrela egípcia. Era uma estrela que poderia dizer muito a meu respeito, me orientar. Enfim, em casa, pendurei o quadro em um espaço visível a primeira vista. Como jornalista, que por vezes escreve sobre Artes e Cultura, o quadro da Sílvia Bragança contínua o único da minha pertença, – e significa muito para mim.

O segundo e último encontro foi em casa da artista plástica, uns dois anos depois do encontro na inauguração. Eu era jornalista. Sílvia Bragança era uma fonte: devia manter um relativo distanciamento emocional do ponto de vista profissional. Mas a Sílvia era demais! Era de uma bondade contagiante. Conversamos bastante, sobre as artes e Cultura, sobre Moçambique, sobre o mundo. Falamos sobre Aquino de Bragança, o seu percurso no quadro dos decisores em momentos importantes da luta para o bem estar de Moçambique. A humanidade de Sílvia Bragança era contagiante.

No momento da despedida Sílvia Bragança presenteou-me com ‘’Aquino de Bragança, batalhas ganhas, sonhos a continuar’’, livro, da sua autoria, e aborda o percuso de Aquino de Bragança. Abaixo partilhamos duas mensagens que muito provavelmente melhor descrevem esta humanista apaixonada por estrelas, que amava crianças, e entendia Gastronomia:

Das mensagens de familiares e amigos

‘’A Sílvia foi uma companheira, amiga presente em todos os momentos das nossas vidas. Alegre, com uma gargalhada especial, preenchendo as nossas vidas e espaços sempre , e da melhor forma! Às nossas crianças (e a nós próprios) passou ensinamentos importantes de liberdade de expressão, respeito ao próximo, justiça, cultura, e união. Falar da Sílvia é falar da liberdade, amor, amizade…”” comentaram Luís Dinis e Natasha Ribeiro respectivamente, filho e nora de Sílvia Bragança.

‘’ E esta noite,  rebolei pela cama pensando exactamente na música das suas pulseiras lindas. Quase todas com uma história. Das suas pinturas coloridas e com um toque mágico. Na bebinca deliciosa que me ofereceu o ano passado pelos meus anos, decorada com lascas de amêndoas e onde o desenho continha uma mensagem. Dos momentos divertidos e tão únicos que juntos passámos na Índia, em Sto Estevão e na sua casa mística, Dos almoços e jantares na sua pequenina casa, mas onde cabiam todos quanto ela amava. E as comidas? Qual delas a melhor. A sobremesa de grão por exemplo. E como diz a Daniela, custa aceitar. Esta distância dá-me uma réstia de esperança de que um dia destes, temos a Silvia de volta.’’

A outra mensagem: ‘’ Silvia Bragança, artista plástica,professora de artes e poetisa. Fez o livro Sonho de Lua, de poemas para criancas, e não só,  com ilustrações suas e de suas sobrinhas. A capa e contracapa e algumas ilustrações por ela desenhadas no computador , técnica nova para ela. Tudo pensado e elaborado com muita sensibilidade  e carinho. O livro surgiu de uma conversa nossa animada numa feira de livro.
Eu estava me aventurando numa nova área de trabalho, pouco sabendo de edição, gráfica e alguns, cantávamos com o apoio da Kapicua através do Capão e da Cecilia. A paixão da Sílvia pelo que fazia, me levou adiante, eu já entusiasmada e ja obcecada com “O Sonho de Lua”. É em dezembro de 2010 a minha loja/editora Brinduka fez o lançamento oficial . Silvia estava em Goa, suas sobrinhas foram representá-la.

Cada poeminha, cada desenho sempre foi discutido comigo, nos encontros com os seu chás e docinhos indianos e  descobrindo as artes que fazia em casa  e com escolas, os seus planos para novas aulas.e ouvia as suas falas sobre o amor da sua vida, do amor ao ensino. O primeiro exemplar nas nossas mãos foi de uma emoção incrível. Eramos 2 crianças com um novo brinquedo, raro e desejado. E mais tarde, eu já no Brasil, o Sonho da Lua chegou ao Brasil através da Kapulana, editora, que aqui editou com uma  nova roupagem, mas com o mesmo capricho.

Hoje a notícia da sua morte me desconstruiu. Fazia tempos que nada sabia dela, perdemos contato.  Só a lembrança da pessoa especial, é sempre foi a de carinho, respeito e admiração pela Silvia Bragança, a amiga mais velha e dos seus “papos” complexos. Fui procurar nossas correspondências. De maio a dezembro de 2010.
Há versinhos e desenhos bem infantis, há ,versos mais intensos de paixão,  há versos sobre os males do mundo. E chorei. Resta-me deixar o meu adeus. Nem abraços de amigos comuns não terei para consolar. Sou-lhe grata por ter me dando as asas do passarinho, as fases da lua, a alegria do elefante do Niassa, a força  chuva e do trovão. E mais, por ter acreditado na minha capacidade e me dado empurrão pra seguir.’’

Uma nota da vida e obra de Sílvia Bragança

Sílvia Bragança foi casada com Aquino de Bragança, figura importante na libertação dos povos africanos e na luta contra o sistema colonial português. Aquino morreu em 1986 em um acidente de avião, no qual se encontrava toda a comitiva do então presidente de Moçambique, Samora Machel, de quem era muito próximo, também falecido na ocasião. Nasceu em Goa,em  1937, onde cresceu e teve as primeiras lições de pintura e óleo. Viveu entre Goa, Portugal e Moçambique. Dedicou-se à educaçao e pesquisa na área da cultura, em Portugal, Moçambique e Goa, onde produziu variados trabalhos, incluindo Livros de Arte para alunos e professores de arte, representada no Dicionário Contemporâneo de Arte Portuguesa.

Sua experiência em três continentes: Ásia, seu berço natal; Europa, a conquista académica na Área Artística, África, a Liberdade associada ao sofrimento pelo perda do ente mais querido e pela guerra, conduzem-na a retratar temas relacionados com a Paz, a Opressão, a Liberdade e a reflectir esteticamente os valores da humanidade. últimamente a sua pesquisa se desenvolveu na imagem concebida através do computador e a investigação na ligação da Arte à Matemática que é a sua segunda paixão. Entre 1971 e 2000 participou em mais de  10 exposições individuais em Lourenço Marques, Beira, Luanda, Tomar, Lisboa, Porto, Maputo, Goa.

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