Jornalismo ao pormenor

Moçambique Ainda Não Activa Vantagens-Chave do Acordo com a UE

Exportar Mais e Melhor para Europa

Atrasos na aplicação da cumulação e fragilidade na certificação de origem limitam impacto do Acordo de Parceria Económica entre Moçambique, SADC e União Europeia.  

O Acordo de Parceria Económica com a União Europeia oferece a Moçambique um acesso privilegiado ao mercado europeu. Contudo, dificuldades operacionais no cumprimento das regras de origem e a ausência de um sistema de certificação moderno fazem com que o País esteja ainda longe de aproveitar o potencial do acordo. A indústria transformadora, o agro-negócio e o sector pesqueiro são dos mais afectados.

Moçambique é parte do Acordo de Parceria Económica (APE) assinado com a União Europeia e países da SADC, que permite exportações isentas de tarifas e quotas para o mercado europeu. Trata-se de uma oportunidade com enorme potencial, sobretudo para os sectores com capacidade de agregação de valor local. No entanto, as condições técnicas necessárias para transformar esse potencial em resultados concretos continuam por garantir.

O principal entrave reside na aplicação das chamadas regras de origem preferenciais — o conjunto de critérios que define se um produto pode ou não beneficiar do tratamento tarifário preferencial. O cumprimento dessas regras exige transformação substancial no País ou a aplicação de regras específicas por produto, tal como detalhado no Protocolo 1 do Acordo. Na realidade moçambicana, isto traduz-se em desafios técnicos, administrativos e logísticos, particularmente para pequenas e médias empresas que não dispõem de apoio especializado.

Mais grave é o facto de Moçambique ainda não ter activado a cláusula de cumulação diagonal, que permitiria aos exportadores usar matérias-primas provenientes de outros países da SADC, sem perder o direito ao estatuto de origem preferencial. Este mecanismo, amplamente utilizado por outros países da região, é fundamental para a integração nas cadeias de valor regionais e globais. A sua ausência coloca os exportadores moçambicanos em clara desvantagem.

Certificação obsoleta afasta exportadores

O sistema de certificação aduaneira vigente é considerado lento, burocrático e desajustado às necessidades do comércio moderno. Exportadores enfrentam custos elevados e prazos imprevisíveis para obter os certificados de origem exigidos. Isso tem levado muitos a recorrer a intermediários, limitando a margem de lucro nacional e reduzindo a transparência da cadeia comercial. Em sectores como o da castanha de caju, os impactos são visíveis e traduzem-se em oportunidades perdidas de exportação directa com valor acrescentado.

Resposta institucional em curso

No esforço para colmatar estas lacunas, foi criado o Projecto Promove Comércio, financiado pela União Europeia, com um orçamento de 2,9 milhões de euros. O projecto, sob liderança do Governo de Moçambique, aposta em capacitação institucional, formação técnica e apoio às entidades envolvidas na certificação, incluindo o INNOQ, a Direcção Nacional da Indústria e a Direcção-Geral das Alfândegas. A UNIDO presta assistência técnica no quadro do reforço da capacidade de certificação e normalização.

O projecto promove ainda o diálogo público-privado, essencial para alinhar os procedimentos burocráticos às exigências operacionais dos exportadores e para reforçar a confiança dos operadores económicos nos mecanismos do Acordo.

Modernização digital como prioridade

Vários especialistas defendem que Moçambique deve seguir o exemplo de países vizinhos, como a África do Sul e a Namíbia, que digitalizaram os sistemas de certificação de origem, tornando-os mais rápidos, acessíveis e menos susceptíveis a erros. A criação de um portal digital interoperável com os sistemas alfandegários seria uma solução com impacto imediato, aumentando a previsibilidade e a eficiência para quem exporta.

Potencial por explorar

Ao ultrapassar os actuais constrangimentos, Moçambique poderá tirar pleno partido do APE-SADC-UE, reforçar o seu tecido industrial, diversificar a base exportadora e atrair novos investimentos. A activação da cumulação, associada a uma certificação moderna, poderá posicionar o País como um ponto logístico e comercial competitivo na região, com acesso privilegiado à União Europeia.

Contudo, o tempo urge. Cada dia de atraso representa exportações não concretizadas, empresas desmotivadas e empregos por criar. A activação total e funcional do APE depende agora de decisões técnicas e políticas urgentes.

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