‘’Minha Liberdade termina onde começa a Liberdade do outro’’?
Fico deveras indignado quando nos colocamos a pensar na liberdade como algo que se sobrepõe a um “outro”. Não se pode medir a liberdade através de princípios individualistas, onde esperamos que as pessoas “deixem de ser” para que nós também “sejamos”.
Falar da liberdade pressupõe, essencialmente, a compreensão de que se vive numa sociedade minada, onde o valor da liberdade pode ser concretizado ou não. Muitos vivem uma vida eterna acorrentados a uma realidade, e esses não os podemos chamar livres, mas sim condilivres (livres condicionalmente).
Desta forma, alguns alcançam a liberdade na morte, quando ‘’decidem’’ dar o seu último suspiro. Aliás, até mesmo a morte de um individuo pode ser fabricada, daí que eu discordo com Jean-Paul Sartre (1905-1980) quando diz que “a liberdade é a condição ontológica do ser humano. O homem é, antes de tudo, livre”.
Não podemos pensar num homem livre, se este depender de um outro para aparecer no mundo. Os Homens sempre viveram num condicionalismo premeditado, no qual a liberdade somente aparece como uma ferramenta de ilusão, que hipnotiza as pessoas a acreditarem que podem chegar a lua sem subir numa nave.
A liberdade da qual se fala, desde os tempos clássicos até a modernidade, reveste-se de um pensamento materialista que limita o conceito liberdade a certos padrões de vida. Ora, Delacroix (1830), in “A Liberdade Guiando o Povo” considerava liberdade como resultado de batalhas e de imposição de vontades e justiças. Por sua vez, Baruch Espinoza (1632-1677) diz que “a liberdade possui um elemento de identificação com a natureza do “ser”. Nesse sentido, ser livre significa agir de acordo com sua natureza”.
A perspectiva de Delacroix ridiculariza o conceito liberdade, se aceitarmos que para ser-se livre deve-se passar por uma guerra. Ora, a liberdade deveria, neste sentido, ser “prerrogativa natural do ser humano” conforme assegura Carlos Bernardo González Pecotche (1901-1963), mas para tal, deveríamos partir para a definição de nascença de um individuo para, antes do parto perceber em quê parâmetros o homem seria livre.
Estamos a dizer que o feto abortado não pôde usufruir da sua liberdade de viver, ou se a mulher que abortou exerceu a sua liberdade em decidir não ter filho? Então, se for assim, podemos chegar a uma conclusão de que a liberdade, se existir, seria um compartilhamento de possibilidades ou uma permissão concedida e aceitada de agir em uma determinada esfera de vida. Digo “determinada” porque não podemos pensar numa total liberdade que seja respeitada por todos os povos. A liberdade africana pode não ser a liberdade de um povo indígena.
Justifico tal pensamento recorrendo a ideia de uma África que rejeita seus valores ao aceitar, por exemplo a gravata, ao invés de suas vestes primitivas. Ora, vão dizer que isso é socializar-se. Então, estaríamos, nesta esteira de pensamento, a dizer que a socialização é um total atropelo as liberdades dos povos, ou ainda, revela os povos que não sabem usufruir da sua liberdade.
É incrível que Baruch Espinoza (1632-1677) diz que “a liberdade possui um elemento de identificação com a natureza do “ser”. Nesse sentido, ser livre significa agir de acordo com sua natureza”.
Um homem nunca descobre a sua natureza alienado de uma sociedade. Somente acreditamos descobrir nossa “natureza” quando aceitamos que o mundo condicione a nossa forma de vida. Não é espanto ser da criança que nós podemos, hipoteticamente, descobrir se um Homem vai ou não ser malvado. Estou sim a dizer que a criança é um receptor de tudo o quanto ela absorve, e ela passa a ser livre, parcialmente, livre quando ela decide o que escolher no meio de tanta informação colhida durante o seu percurso de vida até se adulto.
A mente humana mostra-se em desuso quando ela, na tentativa de compreender algo, rompe com alguns ideais que eu chamaria de regula humanae consortionis (regras de convivência humana). Ou seja, os Homens rejeitaram logo a liberdade total quando aceitaram que só podem viver felizes quando viverem dentro de uma sociedade. Neste sentido, olho para a sociedade como uma arma violenta que distorce o fundamentalismo categórico de uma liberdade aceitada quando o individuo é dado luz pela mulher, que também pode aceitar a liberdade de ser mãe. Sim, ser mãe pode ser uma liberdade quando se tem um filho de livre vontade, mas também pode não ser liberdade quando se é obrigado a ter filho, como acontece nas sociedades modernas, nas quais a mulher é tida como uma máquina perfeita para fazer filhos (coitadas dizem das estéreis que não tem tal poder).
Acho interessante o pensamento de Guy Debord (1931-1994), quando no seu livro “A Sociedade do Espectáculo” , ao criticar a sociedade de consumo e o mercado, afirma que a liberdade de escolha é uma liberdade ilusória, pois escolher é sempre escolher entre duas ou mais coisas prontas. Este pensamento, obvio, mostra-nos taxativamente que a liberdade sempre vai existir na rejeição de uma outra liberdade. Ou seja, conforme eu defendia anteriormente, só se pode ser livre quando respeitamos direito alheio e quando o nosso é também preservado. Então, nesta perspectiva, diríamos que o Homem é livre na arrogância de somente querer fazer prevalecer os seus anseios, mesmo que isso ponha em causa a postura de um outro individuo.
Acredito que o Homem só é livre quando conhece os seus deveres e quando seus direitos são respeitados. Não pode haver tal liberdade que só se regule por uma autonomia total dos homens – isso seria vadiagem.
Precisamos é repensar na liberdade como um condicionalismo entre os seres que, por um lado permitem que os outros “sejam” o que tencionam ser, sem ignorar a perspectiva de que a liberdade surge como uma aceitação do próprio Homem.
Não existe liberdade pura, sem que esteja condicionada por uma cultura, lei, religião, natureza, fisionomia, sexo, raça e parentesco. Somente olhando para estas perspectivas é que podemos definir a liberdade, mas respeitando contextos e aceitando que ela é ao mesmo tempo uma limitação aceitada dos Homens face a irreverencia das metamorfoses mundanas.
Não podemos, somente, definir a liberdade como a expressão facial alegre de um individuo que vai a praia e mergulha seus pés no mar, mesmo que tenha fugido da tristeza que esconde em sua casa. Não podemos somente definir a liberdade como fazer viagens a volta do mundo, mesmo que tais viagens não tenham sido pagas com seu próprio valor. Não podemos querer definir a liberdade, a dissociando dos outros factos existentes: A liberdade é, por esta via, um condicionalismo aceitado das formas de convivência de Homens que coabitam no mesmo mundo.