Homens armados em Mocímboa da Praia: Quem são e quem os financia?
Em Outubro de 2017, concretamente nos dias 5, 6 e 7, reportaram-se os primeiros ataques, no distrito de Mocímboa da Praia, na província de Cabo-Delgado, protagonizados por um grupo conhecido por Al Shabab.
Este grupo viria a alastrar os seus ataques para mais distritos de Cabo Delgado, nomeadamente, Palma e Nangade. O governo moçambicano recusou-se a reconhecer o grupo como um movimento radical.
A partir de Maputo, o Porta-voz da Polícia moçambicana, Inácio Dina, já não tece comentários sobre o assunto. Mas, por outro lado, a imprensa,incluindo a local, relatou que foram salvas mulheres que estavam nos centros de recrutamento do grupo https://lupa-news.com/cabo-delgado-mulheres-escapam-de-cativeiro-do-grupo-armado/ .
Até antes da publicação do estudo por concluir, realizado entre Novembro do ano passado e Fevereiro do presente ninguém sabia qual a proveniência do grupo e as suas reais motivações. A proveniência de recursos financeiros para sustentar as actividades.
Com o título, “ Radicalização islâmica no norte de Moçambique: caso de Mocímboa da Praia”, – um estudo preliminar- Sheik Saide Habibe, os investigadores João Pereira e Salvador Forquilha explicam o surgimento do movimento.
A partir de apenas uma fonte, segundo Pereira, várias outras fontes foram se revelando, num cenário onde se registavam vários casos de abuso dos direitos humanos contra populares, por parte das Forças de Defesa e Segurança.
“As forças militares de Moçambique e os serviços de inteligência também estiveram lá. Por exemplo, as forças militares chegavam lá e tinham conhecimento de que um tal de Mohamad fazia parte do movimento e quando encontrassem qualquer cidadão de nome Mohamad era espancado.”
O estudo apresentado essa terça-feira em Maputo revela que a maior fonte de financiamento e sustento dos atacantes vem do comércio ilegal da madeira e tráfico de rubis.
O Sheik Saide Habibe, os investigadores João Pereira e Salvador Forquilha, que realizaram o estudo explicam que o grupo fixou-se na zona norte de Cabo- Delgado, em 2015, inicialmente como movimento religioso.
De acordo com os investigadores, apesar de se ter fixado em 2015, as suas primeiras actuações só se manifestaram militares claramente em 2017. De Mocímboa da Praia, foram reportados ataques e confrontos entre o grupo e as autoridades policiais. Aliás, o fanatismo é tão carregado, que já nas primeiras incursões, o grupo chegou a ter a ousadia de atacar a comitiva onde seguia o comandante provincial da polícia de Cabo Delgado.
Incialmente, o grupo era conhecido por Ahlu Sunnah Wa-Jamâ, que na língua árabe significa “adeptos da tradição profética e da tradição”, disse Habibe.
“As doações de fora vêm de pessoas com ligações com as lideranças do grupo em Mocímboa da Praia. As transferências dos valores monetários são feitas via electrónica: M-pesa, M-kesh, M-mola”, disse Habibe.
O montante é destinado, concretamente, para o sustento pessoal dos membros e das suas famílias, financiamento das viagens de líderes espirituais da Tanzânia para Mocímboa da Praia e aliciamento para recrutamento de novos membros.
Segundo o estudo, grande parte da liderança do grupo tem ligações com círculos religiosos, comerciais e militares de grupos islâmicos radicais na Tanzânia, Somália, Quénia e região dos Grandes Lagos;
“Para se diferenciar de outros praticantes do Islão a nível local, o grupo tem uma indumentária própria. Os integrantes usam turbante branco à volta da cabeça; cabelo rapado; barba grande, bata e calças curtas de cor preta, apenas um pouco abaixo do joelho”, referiu Habibe.
As causas que levam jovens a fazer parte
A pobreza, desemprego, exclusão social, carência de serviços básicos (Educação e Saúde) são apontados como uma das motivações que levam os jovens a fazerem parte deste movimento.
“Sentimento de exclusão dos Kimwanis em relação aos Macondes, facto que explica a popularidade da Renamo na zona”, disse o Sheik Habibe.
O Sheik salienta que se trata de jovens socialmente marginalizados, sem emprego formal e sem escolarização.
“Grande parte desse jovem é da etnia Kmwanis. No início eram vendedores informais. São jovens emigrantes de outros países como Tanzânia, Somália e região dos Grandes Lagos que chegaram a zona a busca de oportunidades.”
“A exclusão política e sentimento de exclusão dos kmwanis em relação aos Macondes. Isso vem desde o tempo colonial. Facto que explica também a popularidade da Renamo na região. Busca de aventura e camaradagem. Para muito desses jovens representa uma oportunidade de realização de sonhos.”, explica.
Seguidores de Abudo Rogo?
Em Agosto de 2012, Sheik Abudo Rogo Mohammed, que reivindicavam a ocupação dos Estados Unidos de América no Quénia, foi morto à tiros quando levava a sua esposa para o hospital. Rogo foi baleado mais de dezassete vezes na cabeça e morreu no local.
Volvidos mais de 5 anos, o seu nome, através de vídeos, circula nos distritos de Cabo-Delgado.
Habibe explica que os membros deste grupo são recrutados através de laços familiares e nas mesquitas. Eles são treinados pelos agentes da Polícia moçambicana expulsos e guarda fronteira.
“Os recrutamentos de forma indirecta são feitos através de vídeos usados por movimentos radicais do Quénia e a Tanzânia. O grande nome sonante nestas palestras é uma figura que já foi abatida pela Polícia Queniana Sheik Abudo Rogo Mohammed.”
Com a morte de Abudo Rogo, os seus seguidores decidiram dar continuidade do “seu legado” em outros países tendo, chegado à Tanzânia.
Mas estes viriam a ser combatidos pelo governo e, por isso, viriam a fugir e se fixar em Moçambique.
Por causa da localização geográfica, além de vários outros factores, este grupo veio para Moçambique em 2015, concretamente, no norte em Cabo-Delgado.
“Este movimento começa a descer e entra para a Tanzânia e quando é apertado o cerco entra para Cabo-delgado.”, Conta Habibe.
Há também casos de jovens que voluntariamente procuram fazer parte deste movimento, vendendo os seus bens para a obtenção de recursos financeiros para poderem financiar as suas próprias viagens para Tanzânia, Quénia ou Somália para formação islâmica e militar.
“Eles acreditavam que estavam a prestar um grande serviço para Deus-todo- poderoso. Vendiam suas casas e bens e levavam suas esposas para ir com elas”, disse Habibe.
Organização
O grupo é estruturado de uma forma que garante que mesmo com a destruição de uma base o movimento todo não seja destruído. As células são relativamente autónomas e com cadeias de comando flexível. Apesar disso, a ligação com o comando central do grupo permaneceu forte.
A autonomia das células faz com que cada líder possa delinear e seguir com as suas propiás estratégias. Assim caso um seja capturado não afecta significativamente todo o colectivo.
“Esta é uma forma comum dos grupos radicais. Essa forma de organização facilita a própria guerrilha… tem um grupo constituído por cinco elementos e tem um chefe se o grupo todo for apanhado são só aqueles 5 elementos e isso evita a destruição de uma toda organização.”, Conclui Habibe.