Jornalismo ao pormenor

Desafios no combate ao tráfico humano persistem em Moçambique

Por Carlos Pussik

Em Moçambique, os direitos humanos são reconhecidos e protegidos pela Constituição, que garante direitos fundamentais como a vida, a liberdade, a igualdade e a segurança. No entanto, existem desafios na implementação efetiva desses direitos, incluindo preocupações com a violência policial, restrições à liberdade de expressão, acesso à informação e o tráfico de pessoas e de órgãos.

Apesar de alguns esforços para combater fenómenos relacionados com violações dos direitos humanos em geral, os desafios são enormes e preocupantes, pois Moçambique quase sempre figura entre as piores posições em termos de direitos humanos, tanto em África quanto no mundo; as estatísticas e indicadores são desanimadores.

A título de exemplo, na última semana de Julho foi divulgado um relatório a nível africano, onde Moçambique aparece como o terceiro País que mais assassina defensores de direitos humanos. Em resposta a esse relatório, Adriano Nuvunga, do Centro para Democracia e Desenvolvimento (CDD), reagiu da seguinte forma:

“Moçambique não está a proteger os defensores de direitos humanos; o Estado moçambicano não é apenas o principal violador de direitos humanos, mas também é responsável pelo medo que existe na cidade de Maputo e em todo o País. Os protestos, mesmo quando autorizados, ou mesmo sem precisar de autorização, os ativistas são encontrados com balas disparadas para os matar, e isso é o que nos preocupa hoje, pois viemos aqui denunciar o ambiente de intimidação e os ataques contínuos e sistemáticos perpetrados pelo Estado moçambicano, que deveria proteger e defender os ativistas, mas, em vez disso, os ataca…”

Por trás de todo o mal, estão as desigualdades sociais, a pobreza, o desemprego, as dificuldades no acesso aos serviços sociais, a fragilidade das instituições (corrupção) e das fronteiras, a elevada taxa de analfabetismo, e outros factores que contribuem para o tráfico de pessoas, de órgãos e de partes do corpo humano.

Bolsas de estudo no estrangeiro, empregos bem remunerados, promessas de mudança de vida para jovens, e o obscurantismo da riqueza fácil (no caso dos órgãos humanos) constituem formas diversas de recrutamento de vítimas, não se excluindo a entrada de estrangeiros no País para exploração sexual, como aconteceu há poucos dias com o resgate de seis cidadãs vietnamitas, com idades entre 25 e 35 anos, traficadas para exploração sexual, na noite de 31 de Julho de 2025, pelo Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC).

Bolsas misteriosas para a Rússia

Ao traçarmos os vários tentáculos de recrutamento para o crime de tráfico humano, destacam-se os casos de jovens envolvidos em supostos financiamentos para bolsas de estudo ou qualificações académicas no estrangeiro, sendo que em muitos casos estes jovens são recrutados sem o conhecimento das autoridades governamentais. Alguns, com alguma sorte, acabam por concluir os estudos, mas noutros casos são levados para outros fins. Até ao momento, não há números exatos, mas com base na nossa investigação, pelo menos três jovens moçambicanas foram levadas para a Rússia.

Em vez de estudar, Antonieta José Majope acabou na República do Tartaristão, na Zona Económica Especial de Alabuga, numa fábrica de produção de armamento e drones de guerra na Rússia, segundo um parente residente nos arredores da Matola.

Antonieta teve apenas um contacto com o pai, no qual relatou a sua situação difícil e a falsa promessa de que foi vítima, mas nunca mais teve contacto com ele, suspeitando-se que lhe tenham retirado o telemóvel. Na conversa com o Sr. Majope, perguntámos se denunciou o caso às autoridades, ao que respondeu que falou com um agente que lhe disse que não haveria solução, pois não tinha dados suficientes sobre a filha, e que nada poderia ser feito. “Isso fez-me desistir de falar do assunto à polícia.”

Na mesma ocasião, Majope admitiu arrependimento por ter levado secretamente a filha para a Rússia, mas disse ter aceitado porque “vi isso como uma oportunidade única para a minha filha estudar fora com tudo pago, já que na nossa realidade só filhos de pessoas ligadas à Frelimo é que têm acesso a esse tipo de oportunidade”, lamentou, deixando tudo nas mãos de Deus.

Internautas acompanharam nas redes sociais informações que promovem o Alabuga Start, onde jovens de várias origens são recrutados para estudos ou empregos e acabam por viver uma realidade totalmente diferente na chamada Terra Prometida. Sem responsabilizar totalmente as autoridades moçambicanas, mas também sem as isentar, fica evidente que há muitos casos desconhecidos entre tantos outros não divulgados pela imprensa ou outros meios, que dificultam o conhecimento por parte das autoridades e do público em geral.

Situação atual

Moçambique registou cinco casos de tráfico humano para exploração sexual e laboral até Junho. O Ministério Público (MP) informou que, no primeiro semestre deste ano, foram registados cinco processos-crime de tráfico interno de pessoas para fins de exploração sexual e laboral nas províncias de Maputo, Niassa, Tete e Sofala.

A informação foi partilhada no dia 28 de Julho de 2025, em Maputo, pela Vice-Procuradora-Geral da República, Amabélia Chuquela, durante o Fórum Académico sobre Tráfico de Pessoas. Segundo Chuquela, no mesmo período, foram registados dois processos-crime com conexões internacionais, actualmente em tramitação no Gabinete Central de Combate ao Crime Organizado e Transnacional (GCCCOT).

 “A título meramente ilustrativo, no primeiro semestre de 2025, registámos cinco casos de tráfico interno de pessoas para exploração sexual e laboral nas províncias de Maputo, Niassa, Tete e Sofala, dos quais quatro já tiveram acusação deduzida e um ainda se encontra em investigação”, esclareceu.

O tráfico de pessoas constitui uma grave violação dos direitos humanos, e a cada ano milhares de pessoas, especialmente mulheres, crianças e jovens, tornam-se vítimas deste crime, sendo exploradas sexual ou laboralmente, sujeitas à remoção de órgãos, mendicidade forçada, casamentos forçados ou actividades criminosas. Moçambique não está imune a esse fenómeno.

Segundo o Relatório Global sobre Tráfico de Pessoas de 2024, publicado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), mulheres e meninas continuam a representar o maior grupo de vítimas identificadas no mundo, respondendo por 61% dos casos registados em 2022. A maioria continua a ser traficada para fins de exploração sexual, um padrão que se mantém há vários anos.

De acordo com a Vice-Procuradora-Geral, é essencial reforçar a formação e capacitação dos profissionais para prevenir, identificar e assistir vítimas, bem como sensibilizar o público através de debates, seminários e campanhas informativas.

“O combate ao tráfico de pessoas também exige a consciencialização da sociedade, de modo a formar cidadãos capazes de identificar sinais de aliciamento, denunciar e prestar apoio necessário às vítimas.”

Por sua vez, o representante do UNODC em Moçambique, António de Vivo, reiterou o compromisso da organização em continuar a apoiar o País no combate a este crime transnacional:

 “Nos próximos meses, o UNODC continuará a intensificar o seu apoio institucional através da implementação de acções estratégicas destinadas a reforçar a capacidade técnica e operacional dos actores envolvidos no combate ao tráfico de pessoas em Moçambique”, afirmou.

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