A nomeação de Ericino Higino de Salema como Director do Gabinete de Comunicação Institucional da Presidência da República marca um capítulo inesperado na trajectória de um dos mais conhecidos defensores da liberdade de imprensa, dos direitos humanos e da pluralidade de pensamento em Moçambique. O académico, jurista, jornalista e analista político, que outrora simbolizou a resistência contra a violência e a intimidação dirigidas a vozes críticas do Governo, passa agora a ocupar um dos cargos estratégicos na máquina de comunicação do próprio Estado.
O contraste é inevitável. Em 2018, Ericino foi raptado à saída do Sindicato Nacional de Jornalistas, espancado com barras de ferro e abandonado na estrada, episódio que chocou o país e motivou uma onda de solidariedade nacional e internacional. Na altura, organizações de defesa dos direitos humanos e colegas jornalistas exigiram do Executivo uma postura firme na protecção da liberdade de expressão, exigências que, até hoje, não tiveram respostas concretas. “O Presidente tem uma responsabilidade acrescida para garantir a segurança… e estas não estão a ser asseguradas”, afirmou na altura o jornalista Borges Nhamirre, numa das declarações que sintetizam o clima de desconfiança em relação à actuação governamental.
Agora, ao assumir a chefia da comunicação presidencial, Ericino deixa para trás a posição de observador e crítico externo, para integrar o núcleo que molda o discurso oficial do mesmo Governo cuja falta de acção outrora denunciou. A quem veja nesta viragem um exemplo da tensão entre convicções pessoais e as dinâmicas de poder político, num país onde o espaço para a pluralidade de ideias continua limitado e marcado por contradições entre o discurso democrático e a realidade prática.
A nomeação levanta questões inevitáveis: será esta uma oportunidade para Ericino influenciar o sistema a partir de dentro, ou um sinal de que a crítica independente perde mais uma das suas vozes mais emblemáticas?
