Hoje vivi, basicamente, um dia em vão. Ou, no mínimo, me mergulhei em situações profundamente importantes, como absolutamente em vão. A vida é como a construção de uma casa imaginária fundada sobre alicerces e pilares intangíveis. Muitos que vivem a vida na sua plenitude ficam desapontados com os resultados. Nessa ordem de ideias, nesta vida só é feliz quem nada sabe, ou quem nada descobre sobre o que lhe rodeia.
Para sustentar essa ideia, que de modo nenhum é científica, até porque nada tenho a ver com a ciência, partilho aqui factos da vida em todos os aspectos da existência. Da nascença à morte, dos sonhos às utopias, da verdade à indignação, da mentira à satisfação, entre outras coisas vãs.
Hoje fiquei pensando em mim mesmo se o crescimento não é uma ilusão, – e a réplica distorcida das únicas experiências da vida. Quando criança ou quando pensamos na fase da infância, sem saber, criamos a nossa própria profecia para mais tarde, também sem saber, cumprir com a profecia antes criada.
Eu, por exemplo, tinha a mania de construir cidades, lares, carros, e oficinas entre qualquer coisa que desejasse ou imaginasse. Coitado de mim, construía estes sonhos através da poeira acastanhada do meu bairro, lodo de mangal perto dos meus avôs, ou da argila dos poços que minha mãe e outras mulheres cavavam para garimparem água. Quando terminava de construir meus sonhos surgia a chuva que derretia tudo, ou o vento, que simplesmente soprava com sua força, na altura vindo do vácuo, ou do nada.
Actualmente, já adulto, por engano das réplicas da vida-porque a vida também é uma réplica, toda a obra que construo cada segundo, cada minuto, cada dia, semana, mês, ano, década, simplesmente um vácuo, uma chuva ou um vento aparece e destrói. Nesse espaço entre a construção e a destruição há um mistério cuja essência vai para além da compreensão e linguagem humana. Talvez o segredo da própria vida. O ser humano, eu, especificamente, por vezes me sinto como se estivesse numa fenda estranha onde confluem diversas coisas incompreensíveis. Talvez aí está a graça da vida.
Nesta existência vã tal como crónica de um dia, vivo excessivamente as duas faces de uma moeda. Há vezes ganho até ao supérfluo, outras vezes perco de forma esgotante e dilacerante. Há momentos que vivo e faço acções quase perfeitas; outras ocasiões sou o exemplo quase perfeito da estupidez na plenitude. E já, não sei se aqui serei capaz de debruçar algumas coisas não para confessar e buscar salvação, mas para, pelo menos uma vez na vida, como um ser humano, manifestar sinceridade e encontrar pureza e sossego comigo mesmo, – e dentro de mim.
De várias coisas que se é, já fui o melhor e o pior dos exemplos. O pior e o melhor dos sobrinhos. A mesma linha de exemplo serve para classificar o resto dos atributos, responsabilidades que existem por aí… sou estático, quadrado, parado em muitos aspectos. Mas também nos mesmos aspectos sou dinâmico, redondo, rodado. Sou muito aventureiro tanto quanto criativo. Ilimitado e com limites; incrivelmente corajoso como abominavelmente medroso; forte como pedra e frágil como ovo de pato-marreco que sai antes da formação na totalidade, uma criança ilimitadamente sonhadora, mas também a estátua de um velho curvado ao passado. O somatório de tudo isto é igual a uma vida em vão, a um dia em vão.
A minha felicidade, a minha dor, o meu sorriso, a minha lágrima acaba sendo em vão. E isto é extensivo ao meu melhor beijo, abraço, encontro, despedida. Isto é extensivo a minha melhor saudade. Ao texto que fiz. E que não fiz. Neste momento que escrevo…e no momento que lês… tudo é em vão. Ofereço-te a crónica de um dia em vão, que também é em vão. Tal como música calma e sentimental que também é em vão… que escuto enquanto término esta crónica.