Jornalismo ao pormenor

Boustani: o perfil de um dos homens que levou o país a um beco sem saída

 (Brooklyn, Nova Iorque) Eram 15.55H, hora local, quando Jean Emile Boustani subiu a “stand” do Tribunal de Brooklin para fazer a sua deposição no julgamento que o opõe ao governo dos Estados Unidos da América.

Veste calça cinzenta escura de executivo, camisa branca de colarinho mas sem gravata, um pulôver azul escuro por cima. Os sapatos são de borracha. De boa qualidade. A indumentária é apenas para as sessões do tribunal. Na prisão usa uniforme. Como todos os outros detidos. Expressa-se em inglês. Quase sem sotaque.

Pela mão do advogado Michael Schachter traça o seu perfil perante os jurados que em breve decidirão da sua sorte.

Nasceu em Beirute em 1978, em plena guerra civil, numa família cristã maronita.

Por causa da guerra, o seu pai arranjou emprego na Arábia Saudita, no boom da indústria do petróleo, quando havia muitas oportunidades. Os libaneses são conhecidos pelo seu grau elevado de educação e têm acesso fácil a emprego, especialmente no Médio Oriente.

Os Boustanis são uma família conhecida e com grandes tradições na história do Líbano moderno.

Jean Emile acompanha a família para a Arábia Saudita. Tinha 10 meses.

Com o fim da guerra civil, por volta de 1988/89, regressa a Beirute.

Frequenta o Liceu Francês e depois a Universidade de St. Joseph, uma instituição privada dirigida pelos Jesuítas. As escolas e universidades dirigidas pelos Jesuítas são conhecidas pelo rigor e alta qualidade de ensino. Ele estudou contabilidade durante quatro anos.

Ainda jovem, Boustani, para além do árabe, falava igualmente o francês e o inglês. O seu filho Leo, de seis anos, já fala igualmente as três línguas que são comuns na sua casa. Jean Emile também fala português e espanhol.

Quando se licenciou em 2000, o seu primeiro emprego foi na multinacional Deloitte. Tinha 22 anos e fazia auditoria. Às vezes também consultoria. Em 2005 deixa a firma desafiado por um amigo.

Nos Emiratos Árabes Unidos (EAU) é normal ser-se funcionário do Estado e ao mesmo tempo ter o seu próprio negócio. O seu amigo trabalhava no Ministério das Finanças em Abu Dhabi.

Como sempre sonhou com África, o seu interesse e o da sua primeira iniciativa empresarial era desenvolver negócios em África.

Boustani recorda os antepassados dos libaneses, os fenícios, que fizeram comércio em toda a bacia do Mediterrâneo. Também a sua sofisticação, 3000 anos antes de Cristo. O alfabeto terá sido criado na Fenícia, na cidade de Biblos.

Nessa altura o boom em África era o desenvolvimento da telefonia móvel e a expansão imobiliária nos centros urbanos.

Os libaneses, tradicionalmente, estão há muito estabelecidos na costa ocidental de África, especialmente nos países de expressão francesa. Boustani tenta a sua sorte na costa Oriental. Em 2008, nas suas próprias palavras, conclui com sucesso um projecto de telecomunicações no Uganda.

Está na hora de dar o salto para um novo desafio. Junta-se a Iskandar Safa, um cristão maronita nascido no Líbano em 1955, baseado em Abu Dhabi e com nacionalidade francesa. Jean Emile tinha conhecido Iskandar por volta de 2004/2005.

Safa, com o seu irmão Akram, desenvolveu um império de estaleiros de construção naval, possivelmente o maior do mundo. Através da sua empresa Privinvest, tem três estaleiros na Alemanha, um na França (o que fez os barcos para o projecto moçambicano), um na Grécia (que produz submarinos), uma empresa de equipamentos para a indústria naval em Inglaterra e o estaleiro Abu Dhabi MAR, que, entre outras coisas faz iates de luxo. Aqui, o sócio de Safa é o sheik Hamdan bin Zayed, um emir local. Na França tem uma enorme empresa imobiliária com inúmeras propriedades.

Safa não conhece África.  Boustani acha que África “tem oportunidades tremendas”.

Já no seu novo emprego contrai matrimónio em 2010. Tem um filho apenas, agora com seis anos de idade.

O seu “job description” passa a ser vender os produtos da Privinvest e angariar novas oportunidades de negócio para o grupo. Em África, diz, para se abrirem as portas do poder, das entidades oficiais, são precisos agentes locais, intermediários, lobistas como são chamados nos Estados Unidos. E esses agentes são pagos em função dos serviços de negócios angariados, fechados. Comissões, taxa de sucesso, uma percentagem do projecto.

A Moçambique chega em Março de 2011 pela mão de Basetsana Thokoane, uma antiga guerrilheira do ANC que esteve refugiada em Moçambique no tempo da luta contra o apartheid. Na época de Mandela trabalha para os serviços secretos da nova África do Sul e mantém uma rede de contactos com pessoas influentes em Moçambique. Como Rosário (Cipriano) Mutota, um agente do SISE com negócios privados. Bassy, como é tratada por Boustani, tinha ajudado antes na apresentação de uma proposta a um concurso para a ZEE (Zona Económica Exclusiva) na costa da Namíbia.

Em Moçambique conhece o “brother” Teófilo Nhangumele que lhe organiza um encontro com o ministro da Ciência e Tecnologia, Venâncio Massingue. Era o início da narrativa que levou à criação da ProIndicus, da Ematum e da MAM e lhe abriram as portas para o tapete vermelho da presidência de Armando Guebuza.

A 1 de Janeiro de 2019 o seu sonho africano foi interrompido. Foi preso ao fim da tarde em San Domingo, a capital da República Dominicana, onde pretendia passar férias com a sua esposa. É extraditado no dia seguinte para Nova Iorque e detido pelo FBI. O tribunal de Brooklyn legaliza no mesmo dia a sua prisão. O juiz William Kuntz, II, uma semana depois recusa uma saída em liberdade provisória mediante uma fiança de 20 milhões de dólares.

Em tribunal, segunda-feira declarou-se não culpado pelos crimes de conspiração para lavagem de dinheiro e conspiração para cometer fraude.

Ao tribunal disse que nunca antes tinha estado nos Estados Unidos.

Título da responsabilidade de Lupa News

(Fernando Lima em Brooklyn, texto elaborado a partir do depoimento feito em tribunal por Jean Boustani)  

Fonte: Savana.co.mz

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