Tributo a Nelson Saúte, autor de ‘’Os Mortos de Muidumbe’’

Texto publicado originalmente no semanário Canal de Moçambique

Em uma duração de duas horas, através de plataforma online a galeria da Gin Lesson e Live Music homenageou, o jornalista e poeta moçambicano Nelson Saúte, autor de ‘’Os mortos de Muidumbe’’ uma das poucas e bem conseguida intervenção literária publicada recentemente a propósito de Cabo de Delgado. Quem acompanha o percurso de Nelson Saúte não ficará surpreso com ‘’Os Mortos de Muindumbe’’, há uma forte presença da crónica jornalística no poema do autor do também ‘’O Apóstolo da Desgraça’’ – um outro título de referência.

Na homenagem denominada Tributo a Nelson Saúte participaram Olga Pires – revisora linguístico e que trabalha com o escritor há 20 anos Adam Yussof – antigo estudante do escritor no curso de licenciatura em Ciências da Comunicação, Milton Machel – jornalista de investigação e fã confesso do escritor.  Nelson Saúte é um dos principais cultores de Jornalismo Cultural que este país já teve. Já em obras de antologia que, entre as várias utilidades, serviram de fontes de consulta de referência no ensino secundário. Nelson Saúte é jornalista, poeta, contista, editor e uma espécie de guardião de memória. De entre os seus trabalhos como editor pode se destacar a publicação de Sangue Negro de Noémia de Sousa e a edição da Revista Índico num período que a publicação atingiu níveis invejáveis de qualidade.

‘’Nelson Saúte é extremamente exigente e de uma memória prodigiosa’’ Olga Pires

A revisora linguística, Olga Pires falando da relação com o escritor contou que a ligação vem dos tempos da escola ‘’apesar de lá nós não convivermos.’’ Mais tarde, eu via o Nelson, segundo os jovens da Charrua eles tratavam de ‘’um puto arrogante, muito vaidoso’’ porque o Nelson sempre se destacou no meio mesmo dos mais velhos. O Nelson era uma figura marcante e o Craveirinha (José Craveirinha) tinha um afecto especial por ele. E não era só o Craveirinha, era o Luís Bernardo Honwana, Fátima Mendonça, toda a gente. E os jovens da Charrua não gostavam daquilo. Achavam que ele era um petulante’’, Olga pires esboçou a personalidade de Nelson Saúte de acordo com alguns círculos da literatura, uma forma de ver o escritor que subsiste até actualmente.

Nelson Saúte começou a conviver com seus antecessores literários muito cedo. Nos seus primeiros anos da juventude frequentava em casa de ícones de literatura como se de casa de amigos se tratasse. Não só, devia ter 16 ou 18 anos quando começou a conviver com Rui Knopfli, Rui Nogar, como também teve contacto com outros nomes fora do país incluindo, por exemplo, José Saramago.

‘’Mas depois quando eu conheci o Nelson eu percebi porque é que havia essa coisa de relação com os mais velhos, porque o Nelson sempre foi um curioso. O Nelson é de uma capacidade de memorização de momentos e eventos absolutamente incrível. Tem uma memória prodigiosa’’, Olga Pires passou a ter um ponto de vista próprio e diferente quando começou a conviver com Nelson Saúte.

‘’Lê muito. É um homem muito solitário. Adora viajar. Gosta de seus amigos. Gosta muito de conviver. Mas é uma pessoa que cultiva muito esta solidão; esta intimidade sua de leituras e de cultivar-se nas coisas todas. Conhece fotografia, música, artes e cultura. Eu conheci muitos escritores graças a ele. O Noa (Francisco Noa) e o Nelson Saúte foram pessoas que me cultivaram intelectualmente. E ele (Nelson Saúte) quando viaja vem sempre carregado de livros’’, descreveu.

Como é trabalhar com Nelson Saúte, visto que não é uma pessoa muito fácil? Olga Pires respondeu, ‘’O Nelson, ele aparenta tudo isso, arrogância e muito mais, mas intelectualmente ele é uma pessoa muito humilde, ele é muito exigente consigo mesmo. Ele faz o que faz no seu trabalho porque ele é muito exigente consigo mesmo. O Nelson não é uma pessoa de pegar algo e pôr assim sem uma qualidade gráfica, sem um aconselhamento técnico. Ele é extremamente exigente consigo.’’

‘’O Nelson Saúte não olha para a árvore mas vê a floresta’’

O antigo estudante de Nelson Saúte na universidade, Adam Yossuf, faz um resumo sobre o lado académico do Jornalista. ‘’O Nelson como professor, primeiro, é um verdadeiro intelectual. O Nelson não olha para a árvore mas vê a floresta. E tem uma característica muito importante nas aulas, ele desenvolveu a capacidade de pensar e transmitiu essa capacidade para os alunos. Uma forma de leccionar diferente daquele método tradicional do professor em que chegou na aula e entrega os apontamentos aos alunos. O Nelson Saiu desse padrão convencional.’’

Olhando particularmente para a veia poética de Nelson Saúte o jornalista Milton Machel confessou ser um fã declarado e consumado do escritor homenageado. ‘’Ele tem uma vasta obra. Tem o romance os Narradores da Sobrevivência. O livro de crônicas que é o género que para mim define por excelência aquilo que é o Nelson Saúte na literatura e toda uma série de livros, como a Viagem Profana. Sou fã de Nelson Saúte porque o Nelson canta, escreve, e faz crônicas. Sou fã porque por causa dos textos sobretudo na forma e o conteúdo.’’

‘’ Os textos de Nelson, poéticos, não passam, para mim, de crónicas dissimuladas. O Nelson, para mim, faz uma viagem, um percurso por todos os lugares, todas as memórias, todos os sentimentos, as pessoas e as coisas que o marcam é sobre aquilo que ele escreve. Isso é uma coisa que para mim é muito cara’’, explicou, em um tributo ao Nelson Saúte onde Milton Machel leu um poema bem conseguido intitulado ‘’Poema para Naima depois de escutar solo de saxofone de John Coltrane.’’ Recorde-se que o último poema publicado de Nelson Saúte tem como título ‘’Os Mortos de Muidumbe’’, uma intervenção literária profunda sobre a tragédia em Cabo Delgado e que teve um sucesso estrondoso no seio do público leitor.

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