Quelimane. Oito horas da manhã. Do Índico o sol rebenta com luz, raios e calor húmido.
Manhã que sucede a uma noite em que a lua desliza por cima das nuvens brancas, com aparência, ora de canteiros, ora das ondas da praia de Zalala, numa fotografia por vezes interrompida pelas copas dos palmares, um cenário que inspira um quadro que os artistas Norberto e Gemuce, actualmente em Maputo, provavelmente não desenharam. Binda, que continua em Quelimane, na zona de Sampene, deve fazê-lo.
Não há lanhos nas esquinas e nas ruas ainda anónimas. Ruas em crescimento. Não há lanhos para aliviar do calor húmido da terra dos machuabos (grafia provavelmente com erros). Mário Solówela, 67 anos, é nativo e meu companheiro da viagem ao nível da província. Queremos comer algo típico da cidade para começar o dia laboral. Meu colega sugere a comprarmos sanana, ‘’o bolo de arroz com sentido de história.’’ Fala com reticência. Nele adivinha-se palavras por dizer.
Sanana é um bolo de fabrico caseiro, de arroz e tem como ingredientes coco, sura, açúcar, leverina. Da baixa-Zambézia, pensa-se que sanana surgiu como uma das formas de variar maneiras de conservar e consumir arroz. No passado mulheres preparavam o bolo e davam aos maridos para viagem.
‘’Antigamente não havia trigo ou outro produto para preparar bolos. Então as namoradas e as casadas preparavam sanana, embrulhavam na folha de bananeira ou noutra conveniente, mais tarde no lencinho, e ofereciam aos namorados e maridos’’, explica Mário Solówela.
‘’Essas ofertas aconteciam quando os homens viajavam, nas festas, nos fins-de-semana entre outros momentos especiais e de trabalho. Uma prática que se arrasta até a actualidade e resiste, mesmo com debilidade’’, revela enquanto caminhamos para a casa da senhora Victória Mudenfo, nas proximidades da Rádio Quelimane FM, bairro Sinacura, avenida Julius Nherere.
Estória inacabada e significado tradicional da sanana
No passado, continua o homem com rugas a invadirem a testa, confeccionar sanana era um dos requisito para uma mulher poder estar no lar. ‘’Ela devia fabricar sanana para o marido e os filhos. Quero acreditar que são elementos que contribuíam para o respeito e a manutenção de amor e harmonia em casa.’’
Nem a dona Victória, nem o velho Mário sabe explicar ao certo e ao concreto a origem do nome e como apareceu. Ambos suspeitam que deve ter surgido na sequência da criatividade das várias formas de consumir o arroz sem cansar a família. Na internet ainda há quase nada que refere ao termo. Aliás, de um modo geral há muitos factos por escrever sobre Quelimane, apesar do trabalho feito por um e outro, incluindo padres e freis da Igreja Católica.
Modo de preparar
Primeiro passo, Ingredientes: dois ou três quilos de farinha de arroz, dois cocos ralado, um litro de sura, duas chávenas de açúcar (algumas pessoas acrescentam um pouco de leverina nos ingredientes).
Segundo passo: misturar todos ingredientes numa bacia ou recipiente adequado até obter uma massa consistente, cobrir a bacia com um pano durante duas ou três horas para fermentar.
Terceiro passo: untar a forma/ou as formas (quando forem pequenas à semelhança das imagens), levar a massa à/s forma/s, levar ao forno onde fica durante 40 minutos em média. Depois tirar o bolo do forno e da forma e já está pronto para servir. ’’
Quando bem conservados em lugar fresco ou na geleira, sanana dura dias, por isso na hora de despedida compramos uma dúzia para dias posteriores. Meu companheiro justifica a compra com um sorriso e um ditado, também chuabo. ‘’Osogolo kunkuluveliwa’’, alguma coisa como ‘’não se pode fazer plano confiando com o que pode vir em ferente.’’
Sanana da Baixa Zambézia chega na Alemanha
Independentemente das explicações do termo que deixam a desejar, meu companheiro confessa,‘’ Eu gosto muito de pescar e muitas vezes quando vou à pesca levo alguns bolinhos, embrulhados no plástico’’.
Em casa da dona Victória, onde encontramos as sananas, somos interpelados com um litro de água fresca. É água da bilha, mesmo com geleira que os filhos enviaram de Maputo. ‘’Muleddo kananganiwa va koveni: onanganiwa ya mbani (hóspede não é olhado na cara: é olhado na barriga). Provérbio chuabo que significa ao hóspede só boas palavras não basta. Ela sabe que antes de tudo precisamos de água.
Mário, de cabelo a encanecer pelo tempo, riposta ao mesmo nível que a mulher. ‘’ Primeiro peço duas sananas; e dois assentos.’’ ‘’Mandje a coco anziva mucoconimwa’’ (beber água de coco anima do próprio coco) máxima também chuabo que significa usufruir da própria fonte é sempre bom. Sentamos.
A fabricante e vendedeira, na tabela dos sessenta anos, conta que aprendeu a fabricar sanana com a bisavó em Domela, arredores de Quelimane. Na cidade, Victória, sustentou os estudos com o lucro da venda de sanana.
‘’Todos os meus filhos, não digo que estão muito bem na vida., mas também não estão mal… Estão casados e casadas. Trabalham e têm um salário digno. Eles estudaram através de dinheiro que surgia da venda de sanana e assim ajudava muito nas dispensas da casa’’, conta com orgulho e humildade.
Antes da crise económica os bolos custavam 5 meticais, actualmente o preço duplicou ou triplicou. Bolos bastante procurados por gente de várias pessoas. E faz-se também encomenda para diversas províncias do país como Nampula, Maputo, Beira e no estrangeiro. Nos últimos dois anos vendemos para Alemanha, via encomenda. As pessoas que compram dizem que lá apreciam bastante’’.
Isto não pode constituir novidade porque se a Zambézia é a província com maior índice de emigração então as pessoas emigram com os costumes. Emigram com a gastronomia. Emigram com o cardápio. Aliás, diz a máxima: ‘’Comida de casa é sempre a melhor’’.