“O horizonte e a escrita”: do ensaio em torno da obra de Adelino Timóteo a falta de uma crítica literária necessária em Moçambique ٭

Por: José dos Remédios

A literatura moçambicana passa por um momento particular no que corresponde à produção e publicação de livros. Se há alguns anos a estreia de autores era acompanhada de muitos sobressaltos, actualmente pode-se dizer que o cenário está a mudar. Concorre para o efeito o surgimento de novas editoras, como são os casos da Cavalo do Mar, Fundação Fernando Leite Couto, Fundza, Ethale Publishing, TPC, Kulera e Alcance (que já não é assim tão recente). Graças ao empenho destas instituições, há cada vez mais autores a publicar. Aliado a este factor, tem favorecido a promoção da literatura moçambicana o reconhecimento de mais títulos nacionais em prémios literários, quer em Moçambique, quer noutros cantos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Este cenário está a criar uma certa mobilidade aos artistas da palavra, pois, reconhecendo-lhes qualidade literária, conseguem, eventualmente mais do que qualquer outra geração de autores moçambicanos, serem publicados no Brasil (um mercado muito apetecível) e naquele país latino-americano, bem como em Portugal, participarem em feiras de livro ou colóquios de literatura.

Ainda assim, na actualidade, escasseiam estudos em livro sobre os autores moçambicanos. Há alguma coisa no Brasil, essencialmente voltada à escrita de Mia Couto, Paulina Chiziane e Ungulani Ba Ka Khosa. Sobre os autores pertencentes a uma geração mais nova do que a daquelas três referências, sobretudo os que se estreiam neste novo milénio, há tão pouco mesmo no contexto nacional. Constatada esta situação, interessou-nos dar um contributo para reduzir a carência. E entre vários escritores com obra por estudar, ocorreu-nos Adelino Timóteo, cujo primeiro título lançado, Os segredos da arte de amar, data de 1999. Esta escolha não foi nada furtuita, afinal este é um dos autores moçambicanos com obra extensa, o que concede maior diversidade ao estudo. Em 21 anos de publicação em livro, o escritor soma 19 títulos, dos quais nove romances, sete poéticos, dois estudos e um infanto-juvenil.

Temos a convicção de que toda a literatura deve eternizar pelo menos os seus importantes criadores. Um dos mecanismos a ter em consideração é a recensão literária, por via da qual se criam condições para que o espólio desses mesmos criadores não fique desvalorizado. Então, a decisão de estudar Adelino Timóteo surge, primeiro, por constituir um exercício com a possibilidade de inverter qualquer tendência natural de se “esquecer” o autor, como tem acontecido com tantos outros, como Fonseca Amaral, Carneiro Gonçalves, Aníbal Aleluia ou Heliodoro Baptista. Segundo, sendo Adelino Timóteo um autor preocupadíssimo com as vicissitudes históricas e sociais do seu país, julgamos crucial esta consideração aos seus livros, pois a partir dos mesmos se redescobre Moçambique.

Entretanto, neste labor não é suposto percorrermos toda a publicação de Timóteo. Ao invés disso, iremos nos concentrar na narrativa ficcional do autor. Assim, este trabalho tem como objecto de estudo oito romances do escritor lançados até Março de 2020, designadamente: Mulungu (Texto Editores – 2007); Nação pária (Alcance Editores, 2009); A virgem da Babilónia (Texto Editores, 2009); Não chora, Cármen (Alcance Editores, 2013); Nós, os do Macurungo (Alcance Editores, 2013); Apocalipse dos predadores (Chiado Editora, 2014); Os oitos maridos de dona Luíza Michaela da Cruz (Alcance Editores, 2016) e, por fim, Cemitério dos pássaros (Kapulana, 2019).

A partir da análise às obras em questão, esperamos contribuir para divulgar a criatividade literária do autor, por muitos leitores ainda desconhecida. Por conseguinte, este estudo vai fornecer aos apreciadores da arte literária em geral uma ideia sobre as produções ficcionais moçambicanas, já que a obra de Timóteo interage com a de muitos autores.

Uma vez que, como alerta Todorov (1976), a linguagem da literatura não é nem verdadeira e tão-pouco falsa, mas uma possibilidade fictícia que pode reflectir a vida social, acrescentamos nós, susceptível de traduzir realidades do nosso quotidiano, este trabalho tem os seguintes objectivos: demonstrar em que se alicerça a narrativa de Adelino Timóteo, do ponto de vista temático, e explicar a importância desses mesmos alicerces. Neste contexto, o estudo procura responder às questões daí resultantes.

Com efeito, embora os oito romances do escritor sejam o cerne deste O horizonte e a escrita – um ensaio sobre a narrativa de Adelino Timóteo, o estudo não inicia com uma abordagem às obras do autor. Preferimos dar, antes, uma breve primazia à discussão teórica. Assim, logo no capítulo inaugural, o ensaio reflecte sobre A narrativa e o romance: duas abordagens essenciais. Esta é a secção dedicada à reflexão sobre duas palavras-chave a serem usadas na análise dos oito livros. O exercício implica debater à volta de considerações de teóricos ou críticos fundamentais na sistematização dos estudos literários, como Tzvetan Todorov, Gérard Genette, Wolfgang Kayser, Mikhail Bakhtin, Yves Reuter, Georg Lukács, Umberto Eco, Erich Auerbach e Milan Kundera.

Depois da discussão teórica, segue Adelino Timóteo: do berço ao ofício, secção destinada à apresentação de alguns aspectos da biografia do autor.

A análise propriamente dita dos oito romances em estudo está reservada ao terceiro capítulo, intitulado Os alicerces da narrativa de Adelino Timóteo. Nessa secção, esclarecemos em que se baseia, sistematicamente, a escrita do autor, apresentando traços criativos, temáticos e técnico-narrativos recorrentes na ficção timoteana, inclusive no seu único conto infanto-juvenil: Na aldeia dos crocodilos.

Os laços romanescos intitulam o quarto capítulo, no qual explicamos que, através dos seus recorrentes alicerces narrativos, Adelino Timóteo revela-se um autor preocupado pelas mesmas questões temáticas que escritores consagrados de África, Europa ou América, o que coloca Moçambique conectado com as grandes literaturas produzidas naqueles espaços.

Por fim, no quinto e derradeiro capítulo, está A importância da narrativa em Adelino Timóteo, onde é explicada a relevância dos romances do autor a partir dos seus alicerces narrativos.

٭Título da responsabilidade de Lupa News. Introdução do livro “O horizonte e a escrita”, de José dos Remédios,  nas livrarias  desde última terça-feira, 9 de Janeiro.

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