Por Bernardo soares| Praia Nova, Beira
Uma iguaria tradicional que atravessa rios e províncias, e hoje conta histórias através do paladar. Uma nota: onde há um machuabo longe de casa, há também uma panela a resgatar memórias.
Há sabores que não obedecem fronteiras. Eles viajam com quem parte, com quem procura abrigo em novas terras, levando consigo mais do que a mala: levam lembranças, hábitos e, sobretudo, o paladar da origem. Assim é com o nhaghombo, uma planta aquática nativa da Baixa Zambézia, que agora faz parte da rotina gastronómica de muitas famílias na Praia Nova, cidade da Beira.
O sabor das raízes
Nas margens húmidas da Zambézia, o nhaghombo nasce discreto, mas poderoso. Com aparência frágil, é uma folha maleável, de cor verde intensa, que se adapta tanto ao molho de coco como à simplicidade da água e sal. Mas é no prato que ela se revela encantadora: pode acompanhar arroz novo da machamba ou xima fumegante, e é facilmente enriquecida com camarão, sololo fumado ou outros condimentos que aquecem o espírito.
Mais do que uma planta, nhaghombo é símbolo de resistência e adaptação cultural. E onde há um machuabo longe de casa, há também uma panela a resgatar memórias.
Da Zambézia à Praia Nova
A imagem de nhaghombo, captada recentemente na Praia Nova, viralizou entre amantes da cozinha tradicional. E com razão. A zona costeira da Beira, marcada por grande concentração de migrantes da Zambézia, tornou-se palco de fusão gastronómica: o litoral acolhe a comida do vale, e os sabores caminham lado a lado com os sotaques e os batuques.
Hoje, o nhaghombo já pode ser encontrado não apenas em casas particulares, mas também em pequenos mercados e bancas improvisadas da Praia Nova. Para muitos, é mais que uma refeição — é um elo invisível com a terra-mãe, com os dias de infância e com o que ainda pulsa nas raízes.
Cozinhar para não esquecer
O gesto de preparar nhaghombo é, para muitas mulheres machuabos, um acto de resistência. Um modo de dizer: “Estamos longe, mas não perdemos quem somos.” É também, para os filhos e netos que crescem longe das machambas da Zambézia, uma forma de aprender identidade através da boca e do estômago.
Assim, o nhaghombo tornou-se ponte entre províncias, gerações e sentimentos. Uma iguaria que enfeitiça o paladar, sim — mas que também cura a saudade e afirma quem somos.
Em tempos de globalização, poucos ingredientes são tão locais, tão nossos e tão vivos como este verde que veio dos rios da Zambézia para temperar a alma da Beira.