Inquietantes Sinais dos Tempos

Por: Severino Ngoenha, Eva Trindade, Luca Bussotti, Laura Nhaueleque e Carlos Carvalho

 “Quando a tarde vem, vocês dizem: ‘Vai fazer bom tempo, porque o céu está vermelho’, e de manhã: ‘Hoje haverá tempestade, porque o céu está vermelho e nublado’. Vocês sabem interpretar o aspecto do céu, mas não sabem interpretar os sinais dos tempos! Uma geração perversa e adúltera pede um sinal miraculoso, mas nenhum sinal lhe será dado, a não ser o sinal de Jonas”.  MATEUS, 16: 1-4

“Quando vocês vêem uma nuvem se levantando no ocidente, logo dizem: ‘Vai chover’, e assim acontece.  E quando sopra o vento sul, vocês dizem: ‘Vai fazer calor’, e assim ocorre. Hipócritas! Vocês sabem interpretar o aspecto da terra e do céu. Como não sabem interpretar o tempo presente? Por que vocês não julgam por si mesmos o que é justo? LUCAS 12: 54-57

 

Os eventos dantescos que marcam a nossa história recente (ciclones naturais, desastres económicos e guerras) interpelam profundamente pessoas e sociedade, sobre a nossa condição humana. Podem-se levantar interrogações do porquê e  da responsabilidade . No início do iluminismo, o terramoto que destruiu Lisboa em 1755 ofereceu a Voltaire e aos filósofos de então, a ocasião  de lançar grandes interrogações metafísicas que ainda ecoam na actualidade, depois da escravatura, Shoah, colonialismo, Sida e hoje Covid 19.

Os sinais dos tempos invocados por Cristo nos Evangelhos de Lucas e Mateus fazem referência ao vetero-testamentário, livro de Jonas; não obstante, a Teologia, mesmo nos seus momentos áureos (patrística e escolástica), não se debruçou Ex – professo sobre eles.

Esta questão intemporal – porque convida cada tempo a interpretar os seus sinais – foi só retomada, como objecto de reflexão não só pela Teologia, mas também pela Sociologia (como características especificas de um tempo, a globalização ou a idolatria do mercado) e pela Filosofia (Hegel definia filosofia como a apreensão do próprio tempo através de conceitos) na época moderna. Num esforço de reganhar fôlego e estar à altura da corrida dos tempos (Laple), João XXIII (1958-1963) na Bula Humanae salutis, com a qual convocou  o concílio Vaticano II, e na Encíclica Pacem in terris (1963) – onde indica quatro grandes sinais dos tempos contemporâneos:  a socialização, a emancipação das classes trabalhadoras, a promoção da mulher e a independência dos povos oprimidos – re-chama a si  a questão dos sinais dos tempos. Paulo VI na sua primeira Encíclica, Ecclesiam suam (1964), repete esta mesma expressão.

Nesse sentido, a sua retomada, de certa maneira, também moderniza a igreja, que se lança numa leitura da realidade social. Aliás, já iniciada com a Rerum novarum de Leão XIII (1891) sobre a condição dos operários; o Quadragesimo anno de Pio XI (1931)  sobre a preponderância do poder da economia e o perigo das ideologias socialista/comunista e o  Mater et magístra do mesmo João XXIII (1961), sobre as mudanças sociais mais recentes: inovações científicas, técnicas, sociais, politicas.

Foi na sequência deste novo empenho sociopolítico da Igreja, que Paulo VI recebeu, em audiência privada, e com o  risco de uma crise diplomática com Portugal, os representantes da FRELIMO, PAIGC, MPLA (Marcelino dos Santos, Amílcar Cabral e Agostinho Neto respectivamente), cujo direito à liberdade política ele reconhecera como um dos sinais mais importantes do seu tempo.

No seu fragmento teológico-político, Walter Benjamin defende que uma hermenêutica dos sinais dos tempos pressupõe que a história não seja transparente, presença pura ou pura negatividade.

As interpretações intelectuais – ou confeccionais – sobre os sinais dos tempos contemporâneos falam, globalmente,  de uma época de exploração excessiva do homo faber sobre o seu habitat, da invasão do espaço de outras espécies – o que até poderia estar na origem da Covid 19 –, das mudanças climáticas, da violência do neoliberalismo que acentua as  discrepâncias entre homens, grupos e sociedades.

Porém, a aproximação que os evangelhos fazem à meteorologia  indica que os sinais se relacionam  com os diferentes sectores da realidade humana e, por conseguinte,  são meios susceptíveis de perscrutar a nossa realidade quotidiana e interpretá-la.

Por isso, para além dos sinais globais de um imperialismo de retorno, com capa de ajuda mas mirando a exploração de recursos (o que em si não admira, dado que as antigas potências nunca se conformaram com a liberdade dos oprimidos), o centro nevrálgico reside numa dependência assumida e até glorificada da nossa parte, e mais substancialmente, na subida ao trono, como refere o escritor queniano Ngugi wa Thiong’o, de usurpadores no lugar de nacionalistas.

Qual outro país do mundo poderia, melhor do que nós, simbolizar a nova Nínive? Quantos países, para além das pandemias globais (COVID – 19, mudanças climáticas) detém os primados de guerras permanentes, índices de primazia no Guiness da corrupção, agora acerscida de autoritarismo político susceptíveis de acarretar a ira de Deus, como outrora Nínive?

O discernimento adequado sobre o significado  destes eventos exige a capacidade de colher onde o acto individual/colectivo/subjectivo se transforma em sinal. Para isso, é necessário ouvir atentamente, diferenciar e interpretar as diferentes linguagens do nosso tempo.

Já tivemos outros sinais noutros tempos: L’Afrique Debout de Césaire do Cahier d’un Retour au Pays NatalLes Soleis des Indépendences de Ahmadou Kourouma, sobretudo a proclamação da independência (supostamente) total e completa por Samora Machel. Hoje os sinais, na esteira dos Os Intérpretes de Wole Soyinka, são uma “mala tempora currunt” (temos de desolação), que deixam pressagiar o espectro da dissolução/fim das nossas liberdades e retorno à submissão: crise do processo democrático, perda de partes do  nosso território, deserção intra-murus daqueles que se alheiam dos eventos – numa forma de demissão consciente e voluntária que ressoa como traição – e da sorte da maioria que, numa  apokaradokia (ausência de esperança), se refugiam, não só no sofrimento das minas da África do Sul, mas também nas peripécias da morte na travessia do Mediterrâneo, numa busca de melhores condições de vida que à partida se adivinha efémera.

O ápice desta aporia é que os nossos supostos profetas (teólogos, mas também intelectuais que estudam o devir de uma maneira futurológica e/ou de perspectivas), como Jonas, fogem das suas responsabilidades e da missão que lhes foi superiormente confiada. Enquanto o povo inteiro grita no mar alto (Nyerere), apavorado pelos balanceamentos do navio e pelo perigo de naufrágio, aqueles, como Jonas, dormem sonos tranquilos,  como (in)justos por terem substituído  o verbum e o logos  pelo evangelho apócrifo das moedas de Judas.

Os textos de  Lucas e Mateus que se referem aos sinais dos tempos têm três personagens: Deus, cujos desígnios se encontravam nos antípodas daquilo em que Nínive se tornou;  Nínive e sua corrupção; e Jonas, o profeta enviado  que recusava cumprir com a sua missão.

A imutabilidade metafísica de Deus, faz com que os seus desígnios não tenham mudado, o facto de ao lado da Nínive corrupta existirem outras cidades invocadas no texto, autoriza-nos a mobilizar o texto bíblico e de consequência os sinais dos tempos para avaliação moral de uma cidade (polis) específica, no caso, Moçambique: a nova Nínive.

Os grandes peixes que engolem os supostos profetas de hoje,  não foram enviados por nenhum Deus, e por isso mesmo não os vão vomitar ao fim de três dias. Não vomitaram há mais de cinco séculos os que se comprometeram com os processos na escravatura. Não vomitaram desde há mais de cem anos os que se aliaram ao colonialismo. E não vão vomitar na Páscoa que se aproxima aqueles que se comprometem apenas com os seus interesses. Contrariamente aos mortos de Sulemane Cassamo, os nossos não regressarão…

O perdão de que Nínive beneficiou foi divino. Os homens, mesmo quando dizem perdoar – dívidas por exemplo – o fazem no cálculo instrumental dos seus interesses.

Não se trata de um apocalipse (apo+kaliptein = descobrir/revelar), mas tem  todos os ares de um Moçancalipse. Porém, não é uma questão escatológica mas teologicamente soteriológica e filosoficamente existencial. Saber o que significa viver responsavelmente o próprio tempo, para que cada indivíduo e geração possam responder às perenes interrogações sobre o sentido da vida presente e futura e sobre a sua missão (cf. Franz Fanon).

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