Bernardino Rafael, ex-comandante-geral da Polícia da República de Moçambique (PRM), enfrenta esta segunda-feira, 07 de Julho, a Procuradoria-Geral da República (PGR), em Maputo, acusado de graves violações dos direitos humanos durante a repressão aos protestos pós-eleitorais.
A queixa-crime, apresentada em Março por Organizações da Sociedade Civil, incluindo a Plataforma Decide, também envolve o ex-ministro do Interior Pascoal Ronda. Ambos são apontados como responsáveis diretos pela violenta repressão das manifestações, que deixaram um rastro de sangue: estima-se que cerca de 400 pessoas tenham morrido, além de centenas de feridos e da destruição de património público e privado.
Analistas políticos não descartam uma leitura menos ingênua do processo. André Mulungo, do Centro para Democracia e Direitos Humanos (CDD), alerta que a audição de Bernardino Rafael pode ser mais um capítulo do jogo político interno na FRELIMO. “Este caso pode ser apenas uma peça de teatro para acalmar a pressão internacional. Mas também pode revelar uma luta pelo poder no interior do partido. Não seria surpresa se o Presidente Daniel Chapo estivesse a usar o episódio para se distanciar da velha guarda e afirmar a sua autoridade”, avalia.
Seja encenação, seja disputa política, o facto é que o processo mexe numa ferida aberta: a persistente cultura de violência e impunidade no seio da polícia moçambicana — uma marca de décadas que, até agora, tem sobrevivido a todas as mudanças de comando.
Ainda assim, há quem enxergue uma possível fresta no sistema fechado do poder. A Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM) classifica o processo como um “passo inédito”. Ferosa Zacarias, presidente da Comissão dos Direitos Humanos da OAM, afirma que, independentemente do desfecho, o simples facto de altos dirigentes policiais serem formalmente investigados já envia um recado claro: “os agentes não são intocáveis”.