Do Gás à Prosperidade:

Como o Gás Natural Pode Impulsionar a Diversificação Económica e o Desenvolvimento Agrícola em Moçambique  

Texto: Salvado Raisse, do Centro Para Democracia e Direitos Humanos

Moçambique possui vastas reservas de recursos naturais que, se bem aproveitados, têm o potencial de transformar profundamente a economia do país. Com reservas estimadas em cerca de 277 trilhões de pés cúbicos de gás natural, o país está posicionado para se tornar um dos maiores produtores de gás natural do mundo, e o segundo maior produtor de África, apenas atrás da Nigéria. A partir da produção de GNL, o país espera arrecadar cerca de 96 mil milhões de dólares norte-americanos (USD) durante a vida útil dos projectos de exploração de gás natural, com as primeiras contribuições já a serem encaixadas[1].

O principal desafio do país agora é como (1) maximizar os ganhos provenientes das receitas do gás natural e outros recursos naturais não renováveis, (2) desenvolver instituições funcionais e transparentes, sem comprometer a economia, e (3) criar mecanismos eficazes de partilha de receitas com as regiões produtoras, integrando-as à agenda nacional de desenvolvimento.

A experiência passada sugere que a simples exploração desses recursos não garante automaticamente um desenvolvimento sustentável e inclusivo.

Historicamente, Moçambique enfrentou desafios significativos na conversão dos seus recursos naturais em benefícios tangíveis para os mais de 33 milhões de moçambicanos. O país teve desilusões com projectos anteriores, como a exploração de gás natural na província de Inhambane, iniciada em 2004, e a produção de carvão em Tete, a partir de 2011.

Apesar dos investimentos substanciais e da posição econômica promissora que o país conquistou entre 2000 e 2015, muitas das promessas de desenvolvimento não se concretizaram. O crescimento econômico não foi acompanhado por melhorias substanciais na qualidade de vida da maioria da população, como evidenciado pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,446, que posiciona Moçambique na parte inferior da escala de desenvolvimento global. Muitos moçambicanos continuam a viver em condições de pobreza, com serviços básicos de educação e saúde de qualidade desigual e um capital humano limitado[2].

Repensando o Desenvolvimento: A Necessidade de Diversificação Econômica ( A agricultura como a Opção mais funcional)

Moçambique enfrenta um desafio crítico: apesar dos investimentos substanciais no sector extractivo, a população não beneficiou amplamente do crescimento económico gerado por este sector. Para transformar a economia do país e assegurar um desenvolvimento mais inclusivo, é fundamental adoptar uma estractégia de diversificação económica.

O país deve reavaliar a sua abordagem. Em vez de focar exclusivamente na maximização das receitas provenientes da exploração dos seus recursos, Moçambique deve procurar diversificar a sua economia. A diversificação tem o potencial de transformar a economia nacional, passando de uma economia extractivista para uma economia mais dinâmica e reduzindo a dependência de receitas imediatas dos recursos extractivos.

Espera-se que o sector extractivo contribua para o desenvolvimento económico e social através da contratação de moçambicanos e da aquisição de bens e serviços produzidos localmente. A economia interna necessita de ser fortalecida, e o governo deve equilibrar mega projectos com investimentos no capital nacional, especialmente em áreas rurais.

Para alcançar estes objectivos, é crucial implementar políticas que promovam o desenvolvimento de sectores-chave, como a agricultura, e incentivar a criação de valor local. Adicionalmente, a criação e aplicação de uma Proposta de Lei do Conteúdo Local que seja seria e realmente funcional pode garantir que empresas moçambicanas se integrem às cadeias de suprimento dos grandes projectos. Simultaneamente, programas de Responsabilidade Social Empresarial devem focar em benefícios locais, desenvolvimento de capital humano e criação de emprego produtivo.

O Potencial do Gás Natural para a Agricultura

O gás natural pode desempenhar um papel bastante relevante no processo de transformação do sector agrícola de Moçambique. A utilização sustentável do gás não se limita apenas ao aumento das receitas fiscais, mas pode ser um motor crucial para o desenvolvimento econômico através da produção de fertilizantes e do investimento em infraestrutura agrícola. O gás natural é uma matéria-prima essencial para a produção de fertilizantes, que são fundamentais para aumentar a produtividade no sector da agricultura. O processo envolve a conversão do gás em hidrogénio, que é então combinado com nitrogénio para produzir amónia. A amónia é uma componente chave na fabricação de fertilizantes como a ureia, amplamente utilizada para melhorar a qualidade do solo e aumentar os rendimentos das colheitas, um dos principais problemas do sector em Mocambique.

A produção local de fertilizantes pode reduzir a dependência de importações e oferecer produtos a preços mais acessíveis aos agricultores moçambicanos. Isso pode ter um impacto directo na produtividade das pequenas propriedades agrícolas, contribuindo para a redução da insegurança alimentar e melhoria da qualidade das colheitas. Além disso, a criação de centros de processamento de fertilizantes dentro de Moçambique não só atenderia à demanda local, parece haver potencial para um mercado local, mas também geraria empregos e estimularia a economia local.

Investimentos Necessários para o Desenvolvimento da agricultura

Uma maneira eficaz de maximizar as receitas do gás natural é direcioná-las para enfrentar os desafios de investimento no sector agrícola. A agricultura é um sector crucial para a economia de Moçambique, representando quase um quarto do PIB e empregando cerca de 70% da força de trabalho activa no país. No entanto, este sector enfrenta diversos desafios relacionados com a sua produtividade, em grande parte devido ao uso de tecnologias rudimentares. A actual situação é em parte explicada pelo baixo poder de investimento do país.

Utilizar as receitas do gás natural para investir em infraestrutura, tecnologias avançadas, sementes melhoradas e no desenvolvimento de uma rede comercial eficiente pode ser uma estractégia crucial. Essa abordagem permitirá uma transição eficaz dos recursos para o desenvolvimento do sector agrícola.

Além disso, é possível utilizar as receitas derivadas da exploração do gás natural para criar um banco de desenvolvimento focado no financiamento do sector agrícola. Este banco poderia oferecer crédito acessível aos agricultores, apoiar a inovação e melhorar as práticas agrícolas. Investir em capital humano é igualmente vital, promovendo a formação de especialistas e técnicos capazes de desenvolver e aplicar conhecimentos avançados no sector.

A melhoria das redes comerciais e de distribuição é igualmente essencial. Com investimentos adequados, é possível construir redes de distribuição mais eficientes, assegurando que produtos agrícolas e fertilizantes cheguem de forma eficaz aos agricultores e aos mercados. Isso pode reduzir os custos e melhorar o acesso aos insumos necessários para uma produção agrícola mais eficiente.

Conclusão

Em face dos desafios históricos e das licções aprendidas com a exploração de recursos naturais em Moçambique, é imperativo que o país adopte uma abordagem mais estratégica e diversificada para o seu desenvolvimento econômico. A vasta reserva de gás natural tem o potencial de ser um motor transformador para a economia, mas a sua eficácia em beneficiar amplamente a os mais de 33 milhões de moçambicanos depende de uma gestão prudente e de investimentos bem direcionados.

A diversificação económica é a chave para transformar Moçambique de uma economia predominantemente extractivista para uma economia mais robusta e dinâmica. Para isso, é necessário redirecionar as receitas provenientes do gás natural para sectores cruciais, como a agricultura, e para o fortalecimento das infraestruturas e capacidades locais. O investimento em tecnologias agrícolas avançadas, a criação de um banco de desenvolvimento agrícola e a melhoria das redes comerciais e de distribuição são passos fundamentais para garantir que o crescimento econômico se traduza em melhorias concretas na qualidade de vida da população, visto que mais da metade da população do país tem alguma relação com o sector.

Além disso, a implementação eficaz de políticas como a Proposta de Lei do Conteúdo Local e programas de Responsabilidade Social Empresarial pode assegurar que os benefícios da exploração dos recursos sejam amplamente distribuídos, promovendo a inclusão e o desenvolvimento sustentável.

Portanto, Moçambique tem diante de si uma oportunidade significativa de utilizar as suas reservas de gás natural não apenas para gerar receitas, mas para impulsionar uma transformação económica que beneficie todos os moçambicanos. A chave para o sucesso estará na capacidade do país de transformar estas receitas em investimentos estratégicos que fortaleçam a economia, reduzam a dependência de recursos extrativos e promovam um desenvolvimento mais equilibrado e inclusivo.

[1] https://www.diarioeconomico.co.mz/2024/09/11/oilgas/fundo-soberano-receitas-de-gas-natural-somam-114-m-nas-primeiras-transferencias/

[2] Apesar dos supostos progressos alcançados, o país continua no grupo dos mais pobres do mundo, com 68,2% de moçambicanos a viver abaixo da linha de pobreza, a desigualdade na distribuição do consumo, medida através do coeficiente de Gini, é de 0,51

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