A aldeia de Mangunde, 300 quilómetros a sudoeste da cidade da Beira, parou na manhã de quinta-feira para prestar a última homenagem ao líder do principal partido de oposição em Moçambique, Afonso Maceta Dhlakama, que morre aos 65 anos devido a complicações de saúde.
O “pai da democracia”, como se auto proclamou, foi sepultado num cemitério familiar no centro da sua aldeia, sob o olhar incrédulo de dezenas de pessoas que logo nas primeiras horas do dia ocuparam o vasto terreno do régulo Mangunde, pai de Dhlakama, para ver pela última vez o líder da Renamo.
“Eu não acredito que Dhlakama morreu. Não posso crer. Ele era nosso pai, nosso guia e nosso protector”, afirmava Paulo Matuaba, que, logo nas primeiras horas do dia, quis dar o último adeus ao “menino que se fez homem do povo” a partir do interior das densas matas de Mangunde.
A aldeia natal de Dhlakama está “esquecida” a cerca de 30 quilómetros da estrada que vai dar a Muxungué, um local que se tornou famoso em 2013 pelas confrontações entre os homens armados da Renamo e as forças governamentais.
Mas nem mesmo as pedras e poeira que se enfrenta para chegar ao centro de Mangunde foram suficientes para impedir Ana Marcos de chegar às 5:00h para prestar a sua última homenagem ao líder que “representa a esperança de todos moçambicanos”.
“Não era apenas nosso líder. Era a esperança de todo um país”, frisa Ana Marcos, que, levando o seu filho ao colo e sob um sol escaldante, esteve na primeira fila da multidão que assaltou a humilde vila, numa cerimónia católica, celebrada em português e em ndau, língua local.
“É o nosso herói e não interessa o que Frelimo diz”, frisou a jovem, que como tantas mulheres, não escondeu as lágrimas de “dor e medo” de um futuro sem o seu líder.
Mas Dhlakama nem sempre foi herói. Durante a guerra civil dos 16 anos, que matou perto de um milhão de moçambicanos, o líder da Renamo foi cúmplice de acções de regimes segregacionistas na África Austral (apartheid e do regime branco da Rodésia), dos quais recebeu financiamento para intensificar a guerrilha contra os “comunistas da Frelimo”, como chamava os membros do partido no poder em Moçambique.
Curiosamente, foram as Forças de Defesa e Segurança, contra as quais lutou durante parte da sua vida, que o levaram ao seu último descanso, no interior da mesma mata em que foi por muitas vezes caçado, mas nunca encontrado.
“Para nós é e sempre será um herói”, disse Sebastião Marcos, residente na aldeia Mangunde, observando que “método que usou pode ser contestável, mas a luta de Dhlakama foi sempre pelo povo moçambicano”.
“Não teremos nos próximos anos um líder da magnitude de Dhlakama”, frisou Sebastião Marcos, argumentando que o líder da Renamo “nunca se iludiu com a vida boa” que os políticos têm na capital Maputo e, por isso, morre no mato: ao lado do seu povo.
Se, por um lado, a heroicidade divide opiniões, o legado de Dhlakama parece ser um facto. Além de ter assinado dois acordos de paz, em 1992 e em 2014, Dhlakama impôs, pelas armas, à maioria da Frelimo no parlamento uma importante revisão da lei eleitoral, que era profundamente injusta e a cujas artimanhas a comunidade internacional fechava os olhos.
Por outro, o líder da Renamo obrigou o partido no poder a iniciar uma séria discussão sobre descentralização, cujo documento já foi entregue na Assembleia da República, onde aguarda aprovação.
Antes da morte Dhlakama negociava com o presidente Filipe Nyusi a desmobilização e integração dos homens da Renamo nas Forças de Defesa e Segurança e esperava do fim do processo para sair às matas.
“Não temos mais uma pessoa que é capaz de sacrificar a sua vida pelo povo. Estamos de luto e é um luto que devia ser em todo país”, concluiu Sebastião Marcos.
O líder da Renamo foi enterrado uma semana após a sua morte, no dia 03 de Maio, depois de uma cerimónia oficial na cidade da Beira, com a presença de várias personalidades e do Presidente moçambicano.
Dhlakama foi sepultado pelas 11:30 num cemitério familiar junto das casas do pai em Mangunde, sempre rodeado por um mar de gente.