Por Agostinho Levieque
Qualquer discussão que se pretenda fazer sobre a China é de grande risco para o autor porque não é fácil ao intelectual resistir às pressões que sobre ele se exercem no sentido de se render à ideologia da classe dominante. É preciso coragem intelectual — muito mais rara que a valentia física.
Uma palavra de prevenção. Este artigo pode talvez desanimar alguns leitores e irritar outros. É inevitável. Um desafio tão directo às atitudes e crenças é sempre um choque. Por isso, o leitor prudente deverá ler o artigo de ponta à ponta antes de chegar a quaisquer conclusões definitivas. Claro que o articulista ficará deveras grato por qualquer crítica.
A China é vista em várias perspectivas de acordo com o ângulo em que cada um se encontra e o tipo de graduação dos óculos que cada um porta. Hoje, trago o meu ângulo, não importa se é recto, obtuso ou 360°, mas o certo é que este é o meu ângulo. De uma China Verdadeira Escola de Governação por Resultados. Quais são as características deste ângulo? Eis a questão.
Sendo China a unidade de análise do presente artigo, importa referir que trata-se de um país localizado no Hemisfério Norte, ao norte do Equador, leste da Ásia, costa oeste do Oceano Pacífico. Tem uma superfície terrestre de cerca de 9,6 milhões de km2, mais de 18 mil km de litoral continental no leste e no sul, mais de 4,7 milhões de Km2 de mares interiores e laterais, mais de 7.600 ilhas grandes e pequenas.
Em termos de densidade populacional é o segundo país mais populoso do mundo com um total de 1.411,75 milhões de habitantes até ao final de 2022, excluindo as Regiões Administrativas Especiais de Honk kong, Macau e Província de Taiwan. É um país unificado e composto por 56 grupos étnicos, dos quais os Chineses de etnia Han representam mais de 90% da população total da parte continental.
Quando se fala da China para os amantes do cinema aparecem em mente os artistas Bruce Lee, Jet Li, Jackie Chan, Ge You, Jianng Wen, só para citar alguns, e para os leitores da literatura Ocidental lembram-se de um país comunista impregnado do Socialismo Soviético conotado com a falta de democracia, de ausência de discussões e debates abertos e responsável pelo advento do sistema do partido único, onde as liberdades dos cidadãos são coarctadas pelo regime político vigente.
A visão catastrófica que se tem do socialismo é antiga e vai perdurar por muito tempo, na medida em que, historicamente, o socialismo surgiu como reacção à realidade capitalista e sua teoria foi sempre considerada, antes de tudo, uma acusação do capitalismo e o movimento socialista foi visto como uma tentativa de criar uma sociedade que superasse ou eliminasse os horrores e os males que o capitalismo trouxesse.
Se o socialismo chinês tem todas essas conotações e muitas outras patranhas e o seu aliado secular, a Rússia, destruída da URSS, patrono do Socialismo, hoje é um país capitalista, então por que a China persiste com este sistema até ao dia de hoje?
Existem evidências científicas que mostram que o socialismo como qualquer outro sistema político não é perfeito, não cria um paraíso e não resolve todos os problemas que a humanidade enfrenta. Todavia, o socialismo com características Chinesas para uma nova Era acredita numa sociedade de cooperação e fraternidade em que não haja pequenos grupos a monopolizar o poder e a gozar de privilégios especiais; que todos os cidadãos participem activamente na tomada e discussão das decisões que afectam as suas vidas e, mais importante ainda, acredita que só resolve os problemas que são solúveis neste estádio de desenvolvimento do homem. Este entendimento prova que é um erro repelir ou condenar um assunto tão importante com base nas versões que deles ocorrem ou ocorreram noutros cantos do mundo e que são extremamente superficiais e tendenciosas.
A expressão “nova Era” não é um jargão técnico do sistema político Chinês e muito menos um chavão como acontece noutros cantos do mundo. Ela é portadora de um conteúdo forte, poderoso e mobilizador. Antes de esmiuçar o conteúdo dessa expressão vale recuar para o século XVIII para resgatar a expressão “época”, em que a doutrina sobre época moderna ocupou um dos principais lugares no comunismo científico. Lenine, um dos grandes pensadores do Socialismo escreveu sobre o conceito “época” nos seguintes termos: “Uma época chama-se época precisamente porque abrange os mais fenómenos e guerras, tanto típicos e como atípicos, tanto grandes como pequenos… Esquivar-se a estas questões concretas com frases comuns sobre a época … É abusar do conceito de época”.
O entendimento sobre o conceito época tem similitude com a expressão “nova Era”, que significa um período histórico concreto de desenvolvimento das formações sócio-económicas, de passagem de uma formação para outra, cada uma da qual caracteriza etapas relativamente autónomas e tem traços próprios, indícios e leis específicas, assim como tendências dominantes de desenvolvimento.
O carácter transitório do socialismo para o socialismo de características Chinesas para uma “nova Era” resulta da análise do pensamento existencial e seu aperfeiçoamento para responder os desafios concretos do momento e do futuro, ou seja, de análise da sua essência, conteúdo, contradições, orientações, tendências e leis de desenvolvimento desde a nova Revolução Democrática (1921-1949) e durante a Revolução e construção socialista (1949-1978) liderada por Mao Tsé Tung, passando pelo novo período da teoria de Deng Xiaoping (1978-2012) com foco na modernização do país, à moda Chinesa, através de reformas económicas, até ao socialismo de características Chinesas para uma Nova Era (2012 -), aquilo que foi definido como “o marxismo do século XX” liderado por Xi Jinping.
Em rigor, Mao foi o líder que uniu o país e lhe forneceu o elemento aglutinador da ideologia maoista; Deng foi o que tornou o rico graças às reformas económicas, tendo declarado que “ser rico é glorioso”, e Xi será o que tornará e incluirá no role das grandes potências globais.
A interpretação correcta da “nova Era” à semelhança da “época” requer a existência de liderança. No caso vertente é o Partido Comunista da China (PCCh) que lidera o povo Chinês de todos os grupos étnicos e mobiliza a trabalhar afincada e colectivamente para grandes conquistas nos campos da civilização económica, política, cultural, social e ecológica. Isto não quer dizer que o sistema político da República Popular da China é de partido único, muito pelo contrário é multipartidário denominado Sistema de Cooperação Multipartidária e de consulta política sob liderança do Partido Comunista da China (PCCh) que resultou dos entendimentos havidos entre os diferentes actores políticos, depois da Revolução de Outubro de 1949.
Para os defensores, o sistema reflecte a essência da democracia política socialista a qual, o Povo é o dono do poder, exerce através da Assembleia Popular Nacional, devendo esta, prestar contas ao povo e tem como princípios básicos coexistência de longo prazo, supervisão mútua, tratamento sincero mútuo, partilha dos mesmos sentimentos tanto na glória quanto na derrota.
O Sistema de Cooperação Multipartidária é uma combinação da teoria marxista com a realidade chinesa, a fim de representar e realizar de forma verdadeira, ampla e permanente os interesses do povo e de todos os grupos étnicos e sectores do país. Ele une estritamente todos os partidos políticos e os apartidários e luta por um objectivo comum, evitando efectivamente, as desvantagens da falta de supervisão de um partido ou da concorrência desleal entre vários partidos.
Xi Jinping discursando na sessão de comemoração do 60° aniversário da fundação da Assembleia Popular Nacional, a 5 de Setembro de 2014, chamou atenção que não existe um único sistema político idêntico no mundo, nem um modelo do sistema político que se aplique a todos os países. “As coisas não são as mesmas, na sua essência.” Os países diferem nas suas condições nacionais, e o sistema político de cada país é resultado do desenvolvimento a longo prazo, da melhoria gradual, de evolução ecológica com base no património histórico, nas tradições culturais, no desenvolvimento económico e social do país.
Voltando ao ângulo do articulista, uma China verdadeira escola de governação por resultados, importa destacar que o Governo Central Chinês define metas globais do país e os governos de base (províncias e municípios) operacionalizam através de políticas públicas e planos sectoriais de governação de cada um deles. Contudo, as províncias e municípios menos desenvolvidos são financiados com os mais desenvolvidos, visando alcançar as metas superiormente definidas e influenciar no PIB do país.
O espírito de solidariedade e de sentido de missão faz da China um país de referência no rápido desenvolvimento económico. Graham Allison, professor de Harvard, no seu artigo publicado no Financial Times, 21 de Agosto de 2012, corroborando com o desenvolvimento rápido da economia Chinesa, afirmou que: “Nenhum outro país subiu tão alto e tão rapidamente em todos os aspectos das classificações internacionais como a China. Em apenas uma geração, um país cujo PIB já foi menor do que o da Espanha se tornou a segunda maior economia do mundo.”
A ascensão da China a essa posição virou preocupação de tirar sono aos líderes de outros países, sobretudo os mais desenvolvidos, e desconstruiu as narrativas e patranhas sobre planificação centralizada. E qual foi o segredo da china? A china criou sistemas eficazes (político, económico, educativo, saúde e segurança pública), valorizou a educação, investiu na ciência, definiu políticas,
estratégia, disciplina e construção nacional, aliás, na China existe a célebre frase de Xi Jinping que transformou as mentes dos chineses sobre o desenvolvimento “se quer ficar rico construa estradas.”
O desenvolvimento económico da china associa-se também ao cumprimento rigoroso das metas de governação focadas no desenvolvimento rápido da economia, harmonia e estabilidade social; promoção do turismo com destaque para o doméstico como se pode observar o movimento de jusante de pessoas nacionais e estrangeiras de todas as idades nos locais turísticos como a grande muralha, palácio do verão do Imperador na cidade de Beijing, Catedral de Santa Sofia, Jardim Zoológico de reprodução de tigres Siberianos na cidade de Harbin, e Reserva Natural de Zhalong, na Cidade de Qiqihar, Província de Heilong Jiang. Associa-se ainda, aos projectos estruturantes de desenvolvimento.
A título de exemplo, um cinturão, uma rota (One Belt, One Road OBOR) focado na ligação e cooperação entre os países da Europa, Ásia e África através das rotas marítimas, ferroviárias e rodoviárias visando melhorar a ligação regional e abraçar um futuro mais brilhante, que só será possível se haver engajamento de outros parceiros da Ásia, Europa e África.
Como é apanágio em todas as economias do mundo não se pode falar de rápido desenvolvimento económico sem analisar o ambiente de negócios do país e a China não é uma excepção. Em rigor, o ambiente de negócios na China é bom como documenta o Serviço de Atendimento do Governo de Harbin (Harbin Government Service Center) focado na eficiência e serviços de qualidade ao cidadão em que todos os serviços públicos são atendidos num único edifício e a licença para o início de uma actividade económica é obtida em 24h, o que mostra o pragmatismo da desconcentração.
Refira-se também que, a China atingiu o pedestal de desenvolvimento evitando promover e participar em guerras. Escolheu viver em harmonia e construir uma Comunidade de Futuro Compartilhado para toda a humanidade.
Para Xi Jinping, construir uma Comunidade de Futuro Compartilhado significa que o futuro e o destino de cada povo, de cada país, de cada indivíduo estão intimamente ligados, e que eles devem estar no mesmo barco em todos os momentos, compartilhando a mesma honra e desgraças, esforçando-se para transformar o planeta, onde nascemos e crescemos, em uma família grande e harmoniosa, promovendo a construção de um mundo de paz duradoura, segurança universal, prosperidade comum e inclusão, limpeza e beleza, e transformando em realidade as aspirações dos povos de todos os países por uma vida melhor. Por outras palavras, uma Comunidade de Futuro Compartilhado para toda a humanidade significa que todos nós temos uma participação no futuro.
Para lidar com responsabilidade a Comunidade de Futuro Compartilhado é preciso reconhecer que o mundo enfrenta déficit de governação, de confiança, de paz e desenvolvimento. Para Xi Jinping, os caminhos para promover essa comunidade são: impulsionar uma nova globalização económica, seguir o caminho de desenvolvimento pacífico, construir um novo tipo de relações internacionais, praticar um verdadeiro multilateralismo e promover os valores comuns da humanidade.
A governação da China por resultados tem sido bem sucedida como ilustram os dados fornecidos pelo Centro de Formação Internacional de Hong Kong, Macau, Academia Nacional de Governança da China que, a seguir se apresenta.
No campo de Economia, Sociedade e Desenvolvimento os indicadores macroeconómicos mostram que a China é a segunda economia mundial e a primeira da Ásia. Em 2024, a taxa de crescimento económico foi de 5% e até ao primeiro trimestre de 2025 atingiu a cifra de 5,4%. A taxa aludida é muito superior a dos países mais industrializados do mundo como EUA: 2,9%, Rússia: 4,1%, Alemanha: – 0,2%, França: 1,1%, Reino Unido: 0,9% e Japão: 0,07%, só para citar alguns exemplos. Refira-se ainda que o país contribui com 30% para o crescimento económico global.
No que se refere à taxa de desemprego, em 2024 foram criados 12,56 milhões de novos empregos e a taxa de desemprego pesquisada foi de 5,1% e até Maio de 2025 foi de 5,0%. Na taxa de inflação, o IPC (Índice de Preço ao Consumidor) da China em 2024 foi de 0,2% e em Maio de 2025 foi de 0,1%, enquanto a taxa de câmbio em 2024 foi 1dólar = 7,1217 yuans, e em Janeiro de 2025: 1dólar =7,1620 yuans.
As reservas cambiais atingiram a cifra de 3, 2 trilhões de dólares Americano e o PIB per capita cresceu de 1.000 USD em 2001 para 13.000 USD em 2024, e ainda neste ano, o valor total do comércio de importação e exportação de mercadorias da China foi de 43,85 trilhes de yuans, um aumento de 5% comparativamente ao período homólogo, sendo que as exportações cresceram
7,1% e as importações 2,3%. Nos primeiros quatro meses de 2025, o valor total do comércio de importações de mercadorias da China foi de 14,14 trilhões de yuans, um aumento de 2,4% em relação ao período homólogo.
Economicamente, a China transformou-se de uma economia agrícola para uma potência industrial, com mais de 162.000 km de rodovias. A pobreza foi reduzida por meio de capacitação técnica e identificação de oportunidades.
Na Educação, até 2024, a taxa bruta de matrícula na pré-escolar em todo o país foi de 93,15%; a taxa de consolidação do ensino obrigatória até 9° ano atingiu a cifra de 95,9% e a taxa bruta de matrícula no ensino médio foi de 92%. Existem 2.800 Universidade públicas, destas apenas duas são categorizadas como as melhores: Universidade de Beijing e a Universidade de Tingshua, ambas na Cidade Beijing.
Em 2023, o número total de alunos matriculados no ensino superior foi de 47,63 milhões com uma taxa bruta de matrícula de 60,2% , até 2024 o número total de graduados de ensino superior foi de 10 milhões de estudantes por ano.
O Governo definiu uma taxa de absorção dos graduados para o sector público e privado. Os restantes, uns continuam com os estudos universitários e outros empreendem, criando negócios próprios, uma iniciativa estimulada e acarinhada pelo governo através de incentivos e políticas activas de absorção laboral.
Refira-se ainda que, os líderes Chineses estão muito mais focalizados do que muitos dos seus homólogos ocidentais no que respeita à educação e à formação dada aos jovens em Matemática, Ciências e Informática, factores fundamentais para ter sucesso no concerto global. Estão também muito mais concentrados na criação de uma infra-estrutura física de telecomunicações, caso HUAWEI, que lhes permita conectar-se mais depressa e mais facilmente do que os outros, estando para breve a emigração para a quinta geração (5D), e estão também focados na forma de criar incentivos que atraiam os investidores estrangeiros.
A China alcançou progressos científicos e tecnológicos nas matérias de circuitos integrados, inteligência artificial (caso do parque industrial de HUAWEI, na cidade de Harbin, e Parque Industrial de Design Criativo Digital, na cidade de Daqing) e tecnologia quântica. Prova disso, a China ficou em primeiro lugar no mundo por cinco anos consecutivos em relação ao número dos pedidos de patentes internacionais e em 2024, ficou em 11° lugar no Índice Global de Inovação.
As evidências supra permitem inferir que a estratégia de longo prazo da China é ultrapassar os Estados Unidos e os países da UE para alcançar a liderança mundial, embora ainda seja categorizado país do terceiro mundo como os restantes países da Ásia e África e reconheça que ainda persistem desafios tais como: baixo crescimento demográfico, urbanização excessiva (67% da população em áreas urbanas) e poluição ambiental devido à industrialização.
É importante reconhecer que o sucesso do processo transformacional da China nas suas múltiplas dimensões deveu-se a presença de líderes visionários que impulsionaram o pensamento e atitudes progressistas de todos os 56 grupos étnicos existentes no país, em cada fase da sua história, sobretudo, a sabedoria de dar continuidade o que foi iniciado e de trabalhar num sistema onde quase tudo é possível. Basta ousar e querer.