A outra carta a Faustina

Pelos tristes momentos que me afectam, pelos bons momentos que passamos

Vai a noite. Entorto o semblante para cima. Há poucas nuvens no céu. Poderia fingir que tudo está bem. Como tudo pode estar bem sem a imagem de nós dois deitamos nos campos de arroz no período pós-colheita? Há!… Faustina… Devo falar-te… sussurrar-te nos ouvidos. Me abrir por dentro.

Ontem estudei até 2 horas de madrugada. Fiquei excitado da vida e do sexo. Peguei 100 meticais, fui à baixa da cidade onde as mulheres vendem sexo. Não te traí. A seguir senti pena da Rua e de mim. E percebi que ser fiel aos sentimentos está acima das explicações panfletárias. Ultimamente estou estranho. Não converso. Não sorrio. Sou sozinho. Prefiro o isolamento. Não costumo a simpatizar-me do mundo mesmo sem odiá-lo. Dói-me a cabeça. Doem-me os olhos. Sofro de choro.

Lembro-me quando atendi o último telefonema. Estava algures na baixa da cidade. As avenidas desabaram. O céu caiu. Um arquivo de imagens emboscou meu sentido de felicidade. Do jogo das investidas da juventude que incluía ‘’mandei presente de natal’’ para depois vires me encontrar pessoalmente – dos tempos que viajava de cancros da ETRAGO e uma imagem nossa me acompanhava na penosa viagem; lembro-me dos nossos abraços verdadeiros que agora é uma relíquia;   

Lembro-me do Fauson, o filho que sonhamos deitados nos saudosos intervalos do leito. Este nome (Fauson) foste tu que costuraste através dos nossos e ganhaste. Eu nuca fui bom em certas coisas –incluindo garimpar nomes para pessoas. Considero uma grande responsabilidade e está acima das minhas capacidades. Ganhaste. Fauson. E vi seus dentes grossos encaixados na gengiva como uma pétala na madrugada. Teu sorriso constituía tesouro mais raro nas aventuras de Jhon Depp.

Lembra-se do almoço ao longo do Rio dos Bons Sinais? Uma coroa de batatas fritas coberta de carne provavelmente de cabrito. Bitoque. Os talheres tinham cabo de madeira. Aquilo era minha iniciativa.  Tu me superaste quando organizaste um almoço num dos bairros de Maquival. Era na casa maticada sentamos numa pequena e antiga mesa acantonada na parede. Na hora do almoço fiz barulho para sentarmos na esteira e venci.

Prato? Arroz (da machamba) perfumado com nhamumbo  e camarão. O camarão era aquele que quando deitado ao lume ou posto a ferver fica demasiadamente vermelho. E categoricamente gostoso quando posto à prova pelo paladar. Ouvi com bastante interesse que aquele camarão é capturado nos caniços perto dos mangais.  É de uma cor cinza intensa e tigrado. Puxei a conversa com um interesse de um estrangeiro como se não se tratasse do filho de um pescador.

Trouxeram um mwanamuco (garrafa média) de sura. Sorri. Não bebo. Era doce. Puxei a metade de um copinho. Aquilo era um almoço de dimensão tradicional e era interessante cumprir com todos os ritos.

Estou por vontade e honra preso a não me esquecer das imagens capturadas na teia do tempo. É sagrado. Não consigo profanar. Parte do meu interior foi construída com base em material original. Nossa estória, Faustina, é diferente. Não posso. Sob certos aspectos da vida o coração honesto é frágil e preguiçoso, não consegue projectar muitos futuros. Utilizei os meus mais profundos dons a projectar futuro consigo. E isto não é mercadoria. Não está à venda. Não tem preço. Não são megas…  

Agora que falo me interpela a lembrança de cada parte da beleza que o seu físico envolve. Sim… essas pernas! Esses braços! Seu peito! Sua face! Não quero falar o que os meus olhos viram…, e o meu corpo sentiu. Não quero. Não quero fazer alusão de algumas palavras suas que eu consagrava em cada momento que recebia. Alguns poemas que me sussurraste. Poemas inventados não do dom do Camões – o poeta, mas da alma da Afrodite- a musa. Eu tenho a epopeia vindo do sopro dos seus lábios quando a lua fazia o jogo de esconde-esconde entre as copas magras dos palmares do subúrbio de Quelimane. Aqueles bairros que os poetas do Washington D.C não conhecem. Repita-se. Meu coração é feito de material que o tempo não consome e outro amor não vence.

Nessa circunstância não é necessário retratar cenas de ciúme. Ciúme é um passatempo de namorados quando não têm conversas. Quando se é exonerado por alguém que amamos de verdade só Deus sabe o que se passa dentro de nós. E, como se não bastasse, quem ama perdoa.

A vida é cheia de surpresas. E em cada crescimento há um ensinamento que a aula da vida nos oferece. Eu não imaginava que poderia amar-te depois de tudo! Dia – após – dia. Continuamente. Amo-te em vez de te odiar, desejo-te em vez de te recusar. Como a vida é poderosa, Faustina!

Faustina, nesta carta me pergunto como pode ser possível? Como mesmo distante e agora não me pertencendo podes estar livremente nas minhas veias, por onde te sinto percorreres, deflagrares e te apossares na minha alma impotente? Neste momento sinto o quanto sou um ser inválido sem seu amor único, elixir da minha vida. Faustina, agora sei que o amor é uma situação que não compreendo. Estou sentado no murro do passeio da Avenida da Marginal a contemplar o mar e a ilha de Catembe, aliás, de Inhassunge. Meu telemóvel está nas minhas mãos. Estou sentado há dez anos com o telemóvel nas mãos. Ainda uso aquele telemóvel barato de marca Alcatel. A espera do retinir . Vou activar seu número no “Meu Número1”, ou vamos falar free no horário das zero às cinco da manhã.

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